Como último post do ano no NerDevils quero falar principalmente dos acontecimentos que ocorreram bem no começo do mês de Dezembro, como todos podem supor, é sobre o caso Wikileaks, mas quero discutir Ativismo/Pacifismo Virtual e a “ética” hacker, fazendo um pequeno intercurso histórico, e não apenas analisar os últimos fatos ocorridos, disso todo mundo já ta cheio de saber e o nosso blog já fez uma cobertura , além da demonstração de apoio. Depois que as chamas visíveis da 1ª InfoWar cujo campo de batalha girava em torno do Wikileaks estão relativamente baixas para o público geral na interwebz, a análise pode ser feita menos apaixonadamente, mas sem perder a força das convicções anarquistas e libertárias de quem está escrevendo aqui.
A operação payback dos Anonymous em seu caráter global e solidário pode ter sido esvaziada após 3 dias de ataques intensos derrubando sites como VISA, MASTERCARD, PAYPAL (mesmo que por pouco tempo), entretanto é evidente que essa guerra continua através de outros meios que só são visiveis agora para grupos especificos de Hackers de verdade, e para seus alvos, no caso grandes bancos, empresas de crédito e alguns governos mundo a fora. Mas o que fica da operação não foi a efetividade de seus resultados, pois a longo prazo, como muitos falavam desestimulando os ataques no twitter ou outros meios, não tem efeito, o site derrubado vai voltar e tudo vai continuar normalmente. Porém, o ativismo hacker desse fim de ano teve um efeito avassalador na mentalidade dos usuarios de internet e até mesmo das tradicionais esquerdas políticas do mundo todo. Antigamente (e até hoje) quando queria se manifestar sobre algo da sociedade, um grupo se reunia e obstruía as vias das principais avenidas da cidade com cartazes, músicas e gritos de protesto, nos dias de hoje esse tipo de manifestação quando tem um carater extremamente revolucionário não atrai quase nenhuma parcela da população, apenas movimentos de grupos séculares e minoritários ainda conseguem alguma coisa, reunindo sua massa manifesta que antes estava escondida. O que a Operação Payback dos Anonymous mostrou ao mundo foi que há uma outra forma de obstruir o movimento da sociedade, atacando os sites das empresas de crédito e transação monetaria do mundo todo para impedir seu acesso! Essa nossa geração fresca que odeia violência finalmente encontrou um modo de dizer o que quer e causar dor de cabeça sem uso de força bruta ou risco de sofrer repressão! É uma geração furiosa que cresceu vendo 8-bits nas fitas de Nintendo, Megadrive ou um computador com infima memória e HD e se sentindo sempre insatisfeita mesmo sem saber com o que. Finalmente essa geração achou um modo de soltar suas palavras de protesto engasgadas, de mostrar ao mundo suas reinvidicações por mais absurdas que pareçam às autoridades. O payback serve de exemplo de que vias as manifestações deveriam ocorrer nos anos 2000, lógico que nunca abandonando as tática tradicionais, porém implementando essas que as novas ferramentas possibilitam, dando uma renovação e efetivação nos protestos! 30.000 computadores do mundo todo se arriscando sem proteção em ataques contra diversosalvos e todos voluntários contra os inimigos da liberdade de expressão, 30.000 anônimos lembrando aquela cena final de V de Vingança, 30.000 soldados virtuais, militantes da liberdade geral, 30.000 vítimas da opressão silenciosa que os estados modernos realizam em suas ferramentas, as pessoas. O mais bizarro foi a imprenssa local vincular que os ataques eram feitos por um ataque de vírus a computadores normais por parte dos hackers que transformavam seu computador em “escravos” do deles, recebendo ordem de ataques. HA HA HA, quanta baboseira, isso é a tática normal, o que aconteceu em dezembro desse ano foram ataques voluntários e conscientes de pessoas usando seus computadores, em manifestação não apenas pela liberdade de Assange ou Wikileaks, mas pela liberdade total de comunicação! Ao contrário do que se imagina aquilo que vou chamar de “ética hacker” não surgiu na década de 90 com Wired ou qualquer coisa assim, mas provavelmente com o e-zine Phrack de 1986 e que existe até hoje no endereço www.phrack.org/ .
O nome Phrack é simplesmente uma mistura de Phone + rack (algo mais ou menos traduzivel como atormentar), uma prática comum nos EUA da década de 80 eram jovens estudantes das universidades de cálculo e principalmente da MIT andarem com caixas pretas pela cidade burlando os sistemas telefônicos em busca da não monetarização dos serviços básicos, cujo telefone eles consideravam um – isso é porque de certa forma uma parcela da geração de 80 acabou carregando o peso da contracultura que ocorreu violentamente na década de 70, abalando o modo de ver o mundo capilistico e ocidental e numa ânsia de liberdade total. Pois bem, o e-zine Phrack desde 86 é organizado por Taran King e além de reunir um monte de técnicas de programação e burlação dos sistemas de telefone, banco e computador, adiciona artigos que ensinam a fazer bombas caseiras e como manusear ou construir certas armas de fogo…. além de notas de noticias do mundo tecnológico. No começo do e-zine ele deixava claro sua posição de anarquista: “Os artigos podem incluir telcom (modos de hackear ou bular sistemas de telefone), anarquia (armas, morte e destruição) ou cracking.” Provavelmente um dos primeiros locais onde podia se encontrar informação querendo ser livre, era no Phrack. Muito da ética hacker foi forjado através de discussões e ações deste e-zine. Há uma semelhança muito grande entre as palavras dos Phrackers e dos Anonymous, sem duvidas essa semelhança não é apenas coincidência.
Vamos ir mais adiante, diretamente ao “Manifesto Hack”, escrito por The Mentor na edição 7 do Phrack, esse que vai acabar nos dizer muito de onde surgiu toda essa necessidade de liberdade da informação e de ação num mundo ligado a computadores. A primeira vez que tive contato com esse texto foi bem esquisito, eu tava navegando pela interwebz procurando uns negocios de keys e talz e fui parar num site de crackers brasileiros, o site havia sido fechado pela Polícia Federal, o conteúdo todo havia sido retirado e só tinha a logo do grupo no centro. Pois bem, tentei ver o código-fonte, não sei bem por qual motivo tentei isso, e lá estava o texto em inglês, fiquei com uma sensação estranha, tipo Neo no Matrix sendo chamado pelo coelho branco ou Dane do Os Invisíveis sendo treinado por Tom O’Bledam. Foi aí, a uns 3-4 anos atrás, que entendi finalmente pela primeira vez porque algumas pessoas lutam pela liberdade na internet. Tive um satori, uma iluminação, causada pelo Manifesto genial de The Mentor.
(obs: é uma tradução livre, as expressões e palavras não estão ao pé da letra, mas o sentido foi mantido)
“=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=- =-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=
O texto abaixo foi escrito logo depois da minha prisão …
\ / \ A Consciência de um Hacker \ / /
por
+ + + The Mentor + + +
Escrito em 8 de janeiro de 1986
=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=- =-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=
Mais um foi capturado hoje, está em todos os jornais: “Adolescente é preso em escandalo de crime de computador”, “Hacker foi preso em fraude bancária”…
Maldito garoto. São todos iguais.
Mas você, em suas três formas de ver o mundo e pensamento de 1950 algumas vez viu através dos olhos de um Hacker? Você já se perguntou o que ele fazia, quais motivos o levou a fazer aquilo?
Eu sou um Hacker, entre no meu mundo.
Tudo começa na escola… sou mais esperto do que a maioria dos outros garotos e essa merda que nos ensinam me entedia…
Maldito Fracassado. São todos iguais.
Estou no ensino médio ou fundamental. Ouvi o professor explicar pela milésina vez como reduzir uma fração. É fácil. “Não, srª. Smith, eu não mostrei no trabalho como fiz. Fiz tudo de cabeça…”
Maldito garoto. Provavelmente copiou de alguém. São todos iguais.
Descobri algo hoje. Achei um computador. Opa, isso é legal. Ele faz o que quero. Se ele faz algo errado é porque eu errei. Não porque ele não gosta de mim…
Ou se sente ameaçado por mim…
Ou porque pensa que sou inteligente…
Ou não gosta de ensinar e portanto não deveria estar aqui…
Maldito garoto. Tudo que ele faz é jogar. São todos iguais.
E então aconteceu… uma porta aberta para o mundo… correndo pela linha telefônica como heroína nas veias de um viciado, um pulso eletrônico é enviado na procura de um refugio da incompetência do dia-a-dia… uma placa é achada.
“Este é… o meu lugar…”
Conheço todos aqui, mesmo que eu nunca tenha encontrado eles, nunca tenha conversado com eles, nunca pude ouvi-los pela segunda vez… Eu conheço todos vocês…
Maldito garoto. Prendendo a linha telefônica de novo. São todos iguais.
Pode ter certeza que somos todos iguais… somos alimentados com comida de bêbê na escola quando nossa fome é de bife… os pedaços de carne que vocês nos deixam jogados já são mastigados e sem gosto. Fomos dominados por sádicos, ou ignorados por apáticos. Os poucos que nos tinham algo a ensinar nos fizeram de pupilos, mas esses são raros como gotas de agua no deserto.
Este é o nosso mundo… o mundo do elétron e do módulo, a beleza do byte. Nós fazemos uso dos serviços existentes sem pagar, algo que poderia ser barato se não fosse usado por gananciosos aproveitadores, e vocês nos chamam de criminosos. Nós exploramos… e vocês nos chamam de criminosos. Nós buscamos conhecimento e vocês nos chamam de criminosos. Nós existimos sem cor de pele, nacionalidade, sem preconceito religioso… e vocês nos chamam de criminosos. Vocês constroem bombas atômicas, fazem guerra, assassinam, enganam, e mentem para nós e tentam nos fazer acreditar que é pro nosso próprio bem, contudo nós somos os criminosos.
Sim, eu sou um criminosos. Meu crime é a curiosidade. Meu crime é julgar as pessoas pelo o que elas dizem e pensam, não pelo que parecem. Meu crime é ser mais inteligente que vocês, algo pelo qual nunca vão me perdoar.
Eu sou um Hacker, e este é meu manifesto. Vocês podem parar este indivíduos, mas vocês não podem parar todos nós… afinal, somos todos iguals.
+++The Mentor+++”
Com esse belo texto do The Mentor que não precisa de qualquer explicação para se notar a semelhança com o que vem acontecendo, encerro a minha participação esse ano no NerDevils. Que todos nós do blog consigamos continuar postando por aqui, defendendo não uma bandeira totalmente abstrata em nome de um partido ou grupo, mas a liberdade, a única coisa pela qual se vale a pena lutar, a liberdade de todos! E a internet não está fora dessa batalha, aliás, elas nos dias de hoje é a última esperança de ser livre, quando isso aqui cair na censura, no controle por parte dos estados e da sociedade, o homem vai ter que inventar outras maneitas de tentar frustrar os planos de controle total da sociedade tecnocrata, esta que deixou de ser exclusividade do ocidente… Atualmente somos pessoas que comem menus ao invés das comidas, que temos orgulho de morder a isca, como um peixe no fundo do mar indo em direção ao anzol. Boa sorte, para todos nós em 2011 e para a tão surrada e velha liberdade.