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E fim de papo!

Certas coisas são marcantes em nossas vidas por lembramos de cada detalhe delas: aquele fora da menina por quem você era apaixonado na quinta série; o melhor cachorro-quente que você comeu na sua vida no Playcenter após ter passado fome por ter esquecido dinheiro em casa; três playboys te chutando no meio da rua após ter dado uma resposta inteligente a uma zoeira deles… Creio que já me fiz entender. Mas também existem eventos que são inesquecíveis justamente por não termos a mínima ideia de como eles aconteceram! E o NerDevils é um deles.

Quando perguntam para nós como surgiu o blog, a “versão oficial” é de que os nove membros iniciais do blog se conheceram em uma das campanhas “#PublicaINVISIBLES” no Twitter, viram que tinham gostos em comum e resolveram montar um blog coletivo. Isso é parte de verdade. A única coisa que sabíamos uns sobre os outros ao resolver abraçar a ideia era a de éramos nerds e estávamos a fim de escrever sem QUALQUER TIPO DE AMARRA. O resto foi pura sincronicidade. Não tenho a menor ideia de como os nove membros iniciais do blog vieram parar na minha timeline. E, caso pergunte a eles onde se conheceram a resposta não será muito diferente desta.

E assim, de impulso mesmo, foi decidido um nome, feito um logotipo, criadas contas para todos e saímos postando. Falamos de comportamento, música, HQ, política, mangá, anime. Postamos crônicas, tirinhas e diarréias mentais. E fomos percebendo que havia um fio condutor que nos ligava. Anarquia. Ocultismo. Caos. Detalhes destes três itens podem ser encontrados em praticamente todos os textos. E claro que isso nos impulsionou para escrever mais e mais. Todos os que estavam no blog tinham outros projetos mais “sérios” ou “comerciais”, mas o NerDevils era um espaço em que podíamos fazer o que bem entendíamos.

O blog nunca foi um campeão de visualizações, mas tinha um público fiel. Produziu ótimos textos, foi objeto de estudo, fez parcerias com editoras e até baladas. Mais do que isso, gerou profundas mudanças na vida de muitos envolvidos nele. Alguns que estavam aqui começaram a escrever em blogs maiores, outros arrumaram trabalho devido a contatos feitos por aqui (seja fixo ou free-lancer). Um pouco do NerDevils está em todos estes lugares.

Com tudo isso, percebemos que este espaço virtual cumpriu seu papel, que foi ser o “start” para um monte de outros projetos dos envolvidos aqui. E, tendo já feito o que tinha que fazer, nada mais justo do que dar um fim digno a ele. Não queríamos deixar o blog abandonado, achando que ele vai voltar à ativa um dia. Aqui, 1 ano e 8 meses depois, com 202 posts e 889 comentários, os colaboradores do NerDevils fecham as portas para alçar voos maiores que só a experiência obtida aqui pode proporcionar.

O blog permanecerá no ar para que os incautos ainda possam ler as garatujas redigidas aqui, mas textos novos do povo daqui podem ser lidos nos blogs Mobground, Contraversão e Sai Daqui!.

Fica aqui o muito obrigado à equipe formada por Roberto “Synthzoid” Maia, Filipe “Voz do Além” Siqueira, Agostinho “Agrt” Torres, Amanda Armelim, Rafael Dadalto, Aline Cavalcante, Danieli Dagnoni e também aos colaboradores Alan “Gafanhoto” Lima, Dan Erik, Eder Alex e Raphael Evangelista.

Nos encontramos por aí neste vasto mundo virtual. Mais do que um fim, este é um novo começo!

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Fator Caos: Mitologia Escandinava

(OBS: SE VOCÊ É UM DESCENDENTE DE GERMÂNICO QUE QUER PRESERVAR A PORRA DA SUA CULTURA A TODO CUSTO E GOSTA DE SOCAR QUEM “DISTORCE” A MITOLOGIA DOS SEUS ANCESTRAIS, NÃO LEIA ESSA BOSTA – coloquei esse aviso porque durante 6 anos de webz, já tive muito conflito com neo-nazistas e descendentes de germânicos que não aceitam que alguém “impuro” toque a sua “cultura imponente”)

Como aqui no Brasil a grande maioria das nossas referências culturais – começando pela língua portuguesa – é proveniente do mundo Greco-Romano, fica parcialmente mais fácil entendermos a mitologia grega. De “Khaos”, veio a nossa grafia de Caos, e etc. No caso da mitologia que desejo discutir hoje, a escandinava, a coisa fica mais complicada. Palavras como “Ginnungagap”, “Ymir” e “Audhumla”, não querem nos dizer nada, mas os nomes em mitologias são sempre a base que sustenta toda a narrativa. Ele por si só já apresenta o personagem e sua função no cosmos. Eu mesmo, como não tenho tanta facilidade com línguas do tronco germânico não posso nem supor a etimologia dessas palavras, no entanto podemos analisar o contexto geral em que essas entidades aparecem e ponderarmos sobre sua função no universo mitológico!

A mitologia escandinava é muito confusa. Como não chegaram relatos em si, escrito pela própria civilização pré-cristã, o que temos são apanhados confusos que serviram como tentativa cristã de preservar uma tradição já quase perdida de diversas comunidades germânicas, em plena Idade Média.

Não nos é explicado exatamente como as coisas aconteceram, mas de alguma forma, existiam apenas dois territórios: o do fogo e o do gelo. Sem vida, sem nada. Apenas frio, calor, lava e neve. No meio dessas duas coisas existia o Ginnungagap, o vazio que precede tudo, algo como o CAOS grego primordial. Esse vazio é uma espécie de zona de confusão, é onde o fogo e o gelo se encontram; onde o frio se entrelaça com o calor; choque térmico; zona anárquica; confusão; nada. Desse incessante conflito entre o gelado e o quente, dessa roda cósmica de sensações térmicas sucedâneas girando entre a lava vulcânica e a neve primordial, surgiu a primeira coisa viva. O gigante chamado Ymir! A vida surgiu do Caos que ocorria na zona anárquica do Ginnungagap. Sem o silêncio, não existiria o som. Da mesma maneira, sem o nada, nada existiria. A não-existência precede a existência, assim como Ginnungagap precede Ymir.

Das partes superiores de Ymir surgiu o primeiro casal de forma humanóide, das inferiores nasceram os gigantes de gelo. Provavelmente brotada da mesma forma que Ymir, existia uma espécie de vaca chamada Audhumla, que alimentava o grande gigante primordial. Essa vaca lambendo o gelo do território frio, fez nascer outro tipo de humanóide, chamado Buri. Que teve um filho – provavelmente com a criatura feminina humanóide surgida das partes superiores de Ymir – chamado Bor e consequentemente teve três filhos: Odin, Vili e Vê.

Essas três criaturas juntas conseguiram através de um embate feroz, derrotar o gigante de gelo primordial Ymir. Do sangue derramado pela criatura primordial falecida, quase toda a raça dos gigantes de gelo se afogou, sobrevivendo apenas o gigante Bergelmir. O mundo tal como conhecemos, surgiu através da morte de Ymir! Seu sangue se transformou na água, sua carne na terra, seus ossos nas pedras e nas montanhas e da cabeça surgiu o céu (com 4 anões, um em cada canto, para mantê-lo fixo). Os anões nasceram como vermes através de uma geração espontânea na terra (que na verdade é a carne de Ymir), eram criaturas com uma proximidade tão grande com esse elemento que manipulavam de maneira magnífica qualquer mineral, se tornando desta maneira ótimos artesões! Já os seres humanos comuns, os habitantes de Midgard (nosso mundo humano), foram forjados em toras de madeira encontradas numa zona litorânea pelas três criaturas humanóides que derrotaram Ymir. Essas três entidades se auto-denominaram deuses.

Bem, daí a mitologia se desenvolve, explicando a criação dos 9 mundos habitados por criaturas diferentes: elfos, elfos escuros, gigantes de gelo, gigantes comuns, humanos, deuses, anões, trolls etc. etc. etc. Mas o que nos interessa no Fator Caos é mais a gênese das coisas. Nesse processo de criação de tudo fica evidente alguns traços que na verdade são cíclicos: do nada surge a vida primordial estabelecendo uma ordem (Ymir surgiu do Ginnungagap), que é superada por uma nova forma de vida (Ymir foi morto por Odin, Vili e Vê) e por último se estabelece uma nova ordem (os três deuses recriando o cosmos e dividindo em 9 mundos). É algo cíclico, assim como Zeus seria derrotado, segundo uma profecia, por Athena, na mitologia escandinava existe o Ragnarok.

O Ragnarok é o fim da velha ordem, a roda cósmica girando e dando espaço para uma nova forma de organização. É a instauração momentânea da anarquia, única coisa capaz de derrubar a velha ordem e recriar tudo. Os deuses são derrotados pelos seus inimigos principais, algo que estava escrito na sua orlog (algo como destino, melhor, tábua que as Nornas escrevem com aquilo que vai acontecer na vida das criaturas vivas desde que nascem, nem os deuses podem superá-la). Algumas coisas da velha ordem vão ficar… claro, mas uma novidade necessária vai emergir. Do CAOS surgirá a vida, como sempre acontece.

O deus Loki tem uma semelhança arquetípica imensa com Judas. Claro que o sentido é um tanto diferente, são até ramificações culturais diferentes entre hebraicos e gemânicos (ou é tudo indo-europeu? Sei lá, não lembro), Loki não tem nada de “diabólico”, exatamente como a igreja do período medieval gostava de pintar. Porém, Loki é o mal necessário, ou melhor, o mal não maniqueísta, do conflito (que é harmonia) entre o bem e o mal surge a vida! A mudança! Da contradição, do choque entre o ruim e o bom, dois lados, duas facções, mas não necessariamente oposições radicais! Uma harmonia de dissonância! Loki é o líder do exército de criaturas que vai enfrentar os deuses do panteão de Odin, ele vai convocar cada uma das criaturas que estão fadadas a derrotar os deuses. Ele é essencial para que o destino fixado além dos deuses se realize… algo como Judas, não? Acho Loki o mais dócil dos deuses escandinavo, mais próximo da zombataria do que da perversidade. Infantilidade e maldade. Pureza e malicia. Loki e Judas.

Nesse conflito caótico, as duas forças vão se anular, se destruir, emergindo um novo mundo das cinzas desse cosmos destruído. Caos é uma harmonia sensivelmente diferente, é uma ordem que está fora da razão, e que é mutável, por tanto, ordem desordenada. O Caos, meus amigos, está em TUDO. Basta apurar o olhar, que você encontra.

(PRÓXIMO EPISÓDIO: NÃO SEI AINDA QUE PORRA DE MITOLOGIA, ALGUMA COISA HINDU TALVEZ)

Anarquia nos Quadrinhos #2: O Caos Invisível

[Versão Sem Cortes do texto originalmente publicado no Farrazine #18]

 

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King Mob coloca seu capacete/chapéu absurdamente estranho e estiloso – de origem desconhecida e mística – e parte para invadir uma instituição educacional que nada mais é do que um centro de doutrinações e lavagens cerebrais. Lá dentro está um adolescente problemático e desbocado que pode ser o integrante que faltava para o grupo secreto de KM cumprir seu objetivo de livrar o mundo de vilões transdimensionais que desejam o poder absoluto. Antes disso, King Mob invoca John Lennon para pedir uns conselhos, num dos momentos mais psicodélicos dos quadrinhos. No caminho, ele combate um ser que transfere sua consciência para insetos e abandona o Jovem Escolhido para ser iniciado pela sabedoria urbana… tudo fluindo numa velocidade insana.

Quando perguntado, em 1994, qual seria o tema de Os Invisíveis, Grant Morrison respondeu com um simples Tudo! Não é uma definição exagerada ou por demais pretensiosa, mas é unicamente o autor dizendo que não estava preso a amarras estéticas ou narrativas, que permitiu-se viajar sem medo da liberdade. E ele fez questão de realmente incluir tudo que passava na cabeça dele dentro da obra, um exemplo de pós-modernismo balanceado e acelerado, algo como um livro de Thomas Pynchon com quadrinhos. De forma bastante consciente, Os Invisíveis é uma espécie de tratado de Morrison sobre como ele imagina o mundo, recheado de metáforas e elementos metafísicos, além de ser carregado de religiões pouco convencionais. No intercurso de sua luta contra os Arcontes – os vilões da série -, a célula londrina dos Invisíveis viaja no tempo, convoca deuses aztecas, tem seus membros presos e torturados, troca idéia com loas do vodu… enfim, se furtam de todos os elementos a sua disposição para continuarem sua cruzada. Se não fosse o experimento da dúvida que Morrison suscitou ao dizer que a obra é uma mistura de experiências auto-biográficas com textos que ele recebeu de ETs quando foi abduzido em Katmandu, pode-se imaginar que se trata apenas de uma vasta maluquice caconarrativa intensa. Mas existe ali um método, uma forma de combate que muito aproxima a célula dos Invisíveis de teorias (anti)políticas modernas. Os Invisíveis são anti-heróis, da mesma forma que os anarquistas modernos são anti-políticos.

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Anarquia nos Quadrinhos: A Máscara do Riso

[Texto publicado originalmente no Farrazine #17]

 

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"A anarquia ostenta duas faces. A de Destruidores e a de Criadores. Os Destruidores derrubam impérios, e com os destroços os Criadores erguem Mundos Melhores."

Alan Moore

Londres queima, escreveu Alan Moore numa de suas melhores, mais importantes e mais conhecidas obras: V de Vingança. V foi uma reação natural, pessoal e artística de Moore ao momento político ultraneoliberalista e semi-fascista do governo de Margaret Thatcher, que ia para seu terceiro mandato. O próprio conceito visual de V é uma mostra da linha política que Moore queria transmitir com a revista. Seu símbolo, um "V" pichado sobre um círculo, só precisa ser invertido e receber mais um traço para se transformar numa representação visual da Anarquia. E do aspecto mais urgente de certas teorias anárquicas, aquele que passa por uma revolução popular anti-Estado de sacudir as bases de um país, ele tirou a inspiração para traçar o modus operandi de seu anti-herói mascarado. A Inglaterra distópica de V de Vingança é uma mostra de como o fascismo e todos os seus afluentes ideológicos ditatoriais são coisas que podem surgir de uma forma tão natural que parecem invisíveis.

Michael Haneke, em sua obra-prima A Fita Branca, e Dennis Gansel, em seu petardo cinematográfico A Onda, se puseram a investigar esse aspecto pouco discutido no mundo das artes: a origem do totalitarismo – simplesmente porque é muito mais cômodo fazer filmes com heróis combatendo líderes totalitários. Os dois filmes mostram de forma bem convincente como o totalitarismo possui raízes no próprio ser humano, e não somente em grupos específicos de pessoas. A Onda mostra uma experiência sociológica escolar que acaba resultando num microcosmo de ditadura assustadora. A mensagem é clara: existem os líderes, e existem as massas prontas para serem lideradas, sendo somente necessário alguma espécie de competição ou promessa, um ínfimo "direito de escolha", que o caminho para o totalitarismo está aberto. A Fita Branca é muito mais sucinto e abrangente. Se A Onda é um tsunami, A Fita Branca é como uma maré subindo, lenta, mas aos poucos solapando tudo ao seu redor de modo irremediável. O filme mostra uma vila no interior da Alemanha, às vésperas da I Guerra Mundial, onde as raízes do nazismo parecem estar sendo construídas. E isso ocorre de forma tão "natural", que ao final do filme o espectador se pergunta como as coisas chegaram até ali, e provavelmente assistirá novamente só para comprovar o brilhantismo do diretor ao organizar os eventos.

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Últimas vezes

Quando foi a última vez que você ouviu o canto dos pássaros pela manhã? Quando foi a última vez que saiu andando pelas ruas sem lugar definido para chegar? Quando foi a última vez que você se sentou num chão frio e sujo na escuridão densa da noite se perguntando “afinal de contas, quem sou? ou o que sou?” enquanto observava as estrelas? Quando foi a última vez que se divertiu como uma criança, com qualquer coisa, sem qualquer outra finalidade a não ser o simples prazer da diversão, em um dia que não fosse “final de semana”, folga ou férias?

Após essas perguntas, vêm outras: Quando foi a última vez que preencheu sua ficha do imposto de renda durante a madrugada, ficando sem dormir? Quando foi a última vez que forçosamente completou aquele trabalho escolar ou do serviço sem nenhuma vontade? Quando foi a última vez que suas obrigações sociais exauriram todas as suas energias ao ponto de fazê-lo esquecer que existe e que isso é mais do que obedecer as ordens externas? E principalmente, quando foi a última vez que você se sentiu criativo, inovador ou diferente, acreditou em si?

Leia o resto, bastardo!