Após ver no cinema a adaptação cinematográfica “Harry Potter e as Relíquias da Morte Parte 1” eu percebi que existe uma certa tensão no universo escrito por J.K. Rowling, uma tensão que reflete a inquietude política do mundo dos bruxos, uma espécie de inquietude que para um leitor mais atento e mais velho, pode acabar sendo familiar. Não se apegando apenas a perspectiva messiânica do protagonista da série, Harry Potter, mas a escalada de eventos que acontecem no ministério único, intitulado “Ministério da Magia”, a saga Harry Potter, pelo mérito de todos os envolvidos, diretores de cinema, atores, produtores e até a própria escritora, retrata com excelência como é crescer em meio às transformações, não apenas da metáfora da adolescência, mas como também de todo o mundo.
Transformações essas que lembram muito o distópico universo de 1984, a sombra Orwelliana derivada da paranóia humanista, do imaginário bélico-fascista à propaganda sufocante, dos questionamentos cruéis ao próprio sectarismo da sociedade, da repreensão não só étnica e social, mas como também da memória, do pensamento, do poder de comunicação.
O primeiro passo para entender a metáfora do pesadelo criado por Orwell seria entender o papel do protagonista, Harry Potter, e seus colegas, embora uma figura central na cadeia de eventos, o próprio pouco tem ciência das conseqüências de suas atitudes, pego pelo principio do mesmo estar confinado aos portões de Hogwarts, alienado do desenvolver dos fatos, tendo toda a atenção centrada no microcosmo do cotidiano da instituição.
Até mesmo no sétimo capitulo da série, quando os jovens se vêem obrigados a fugir do seu local de estudo (capcioso e simbólico, não?) eles caminham pelas paisagens rurais da Inglaterra, acompanhando por um rádio cheio de estatística a sucessão de eventos e a propaganda do governo, como muito se foi feito na vida real, durante os tempos de crise e guerras.
Aos poucos Voldemort – que não apenas representa o vilão da série, mas como o vetor de uma força política – volta, criando animosidades, e é ai que a autora começa a ilustrar os contrastes, Voldemort representa algo antigo, reflexo não necessariamente da malícia de alguns bruxos, mas sim de um sistema caduco, segregacionista entre bruxos, não-bruxos e mestiços, incapaz de acompanhar as transformações e motivações afora.
O próprio vilão é um reflexo de tal política arcaica, nascido como mestiço, com um histórico de abuso e abandono, sua empreitada contra o mundo, busca, em partes, a mesma mentalidade opressora que o atormentou no passado.
Harry Potter e seus colegas representam no novo, no início a ingenuidade, mas posteriormente, algo mais especial e necessário para quando forças, como esta encabeçada por Voldermort, simpatizam, o não-conformismo.
Ainda mais o próprio mentor de Harry e seus colegas, Dumbledore, um prodígio, de sangue mestiço e homossexual, detém de uma perspectiva libertária, embora uma figura idosa, visa romper constantemente com os paradigmas da arcaica sociedade bruxa e seus preconceitos e paranóias.
O sétimo capítulo da saga retrata com excelência como muitas vezes, uma comunidade mansa vê passar batido as alterações no status quo, embora, o filme consiga, em um belo caso de exceção, ilustrar melhor. “Magic is Might” diz o lema do novo ministério da magia, controlado pelos conspiradores de Voldemort, assim como o Ingsoc de Orwell, a metáfora fascista começa pelo aspecto imponente e opressor do aparato propagandista do ministério, dos interrogatórios de cada funcionário, abusos de hierarquia e a rotina de trabalho, em inúmeras repartições e trabalho compulsório.
O clima Orwelliano – e eu amaldiçôo esta palavra maldita – fica mais evidente quando os protagonistas fogem do ministério, perseguidos por uma força policial similar aos exércitos da segunda guerra mundial, todos de enfardamento cinza, cap obscurecendo a face, e um bracelete de tecido vermelho c/ o símbolo do ministério, um “M” estilizado.
A perseguição do ministério da magia comandado por Voldemort também se estende a comunidade intelectual da série de ficção, observamos o desaparecimento e repreensão de professores, colunistas, historiadores, a necessidade do ministério e do próprio antagonista não está apenas na imposição pela força, mas sim em reescrever a história e a manipulação de mentes.
Embora ofuscado pelo marketing e pelo alvoroço, a tentativa de dissimular o mérito intelectual por trás da obra de J.K Rowling é derivada do pudor pseudo-intelectual de uma classe obtusa, a muito sem foco em seus objetivos e contestações, a mesma, que por sinal, cresceu – ou teve ciência posterior – das obras de Orwell, Bradbury e Burgess, posso dizer com tranqüilidade, a saga Harry Potter teve sua concepção na cultura pop e suas ramificações, mas, ao contrário da intelligentsia, sempre foi fonte de comentário social, este, que motivou centenas de jovens para voltar a leitura e nutrir mentes com um panorama libertário e não-conformista.