Recentemente o supergrupo de música pop japonesa AKB48 lançou uma nova ação em seu site, o AKBaby, através de uma aplicação de reconhecimento facial e mistura de elementos, por um preço, o fã interessado pode “upar” sua foto e misturar com elementos da integrante que quiser e assim ter a foto do seu “bebê”, o apelo é tamanho, que na homepage, uma das meninas aparece com a blusa levantada, amamentando um bebê, em uma cena cheia de subjetividade erótica, na arte está escrito, traduzido do japonês “você quer ter um filho comigo?”.
Em outro episódio mais antigo, uma nova integrante do grupo foi anunciada em um comercial de uma marca de doces local, a peça exibida no semestre passado chamou a atenção dos fãs por uma série de incoerências: porque uma integrante novata teria papel central na ação? Porque algumas feições dela eram tão familiares? A resolução dessas – e muitas outras – perguntas veio no anuncio que a nova membra da equipe era na verdade uma animação feita por computadores, com feições corporais captadas das principais integrantes do conjunto.
Este tipo de exploitation de garotos e garotas com relativo talento e aparência agradável tem se tornando um fenômeno cada vez mais comum para as audiências ocidentais, embora cause estranheza, esses grupos já são desenvolvidos por agências de talento e gravadoras em seu país de origem há mais de três décadas.
Geralmente são talentos promissores escolhidos logo cedo, podemos inclusive brincar que muitos são criados em “currais”, recebendo ao longo da adolescência a tutela necessária para o estrelato, aulas que vão de fisiculturismo, artes cênicas, etiqueta, dança e etc. tudo com o objetivo de integrar a pessoa em um novo grupo de estrelas.
Como figuras públicas, muitos aspectos de suas vidas são monitorados, principalmente questões como relacionamento, o consumo de bebidas e até cigarros. Em casos de comoção considerados drásticos, a assessoria de imprensa de tais agências chega a emitir pedidos de desculpas público e até suspender a atividade de seus membros.
Em muitos grupos, como o AKB48, existem sistemas de ranking de popularidade, o que deixa no ar um aspecto de rivalidade entre suas integrantes, muitas formações são trocadas inteiramente quando quesitos como “idade” começam a alarmar empresários, algumas chegam a participar de revivals e muitos ex-membros arriscam carreiras solos e tentam sobrepujar o estigma, raros são os casos de sucesso.
O que chama a atenção no AKB48 é o nicho pelo qual o grupo foi construído, “AKB” é uma abreviação para “Akihabara”, conhecida mundialmente como a “Meca dos Otakus” um bairro comercial de Tóquio voltado para o consumo de bens tecnológicos e colecionáveis, a própria sede do supergrupo/franquia se encontra na região. Propondo uma ideia de “ídolos que você pode encontrar”, o enfoque do marketing no grupo é sempre voltado para a exposição das vidas de suas integrantes.
Ser um grupo voltado para “otakus” é pertinente no sentido que esse termo tem na conjectura social do país, ao contrário do ocidente, onde se assume de forma predominante o otaku como o fã de animações e mangás, no Japão, o “Otaku” é todo sujeito que desenvolve o excêntrico comportamento de colecionar e se especializar em determinado assunto, existem grupos de otaku que podem ser considerados sem qualquer envolvimento com o mercado de animes e mangás.
Para a cultura moderna japonesa, um “otaku” é qualquer pessoa de comportamento obsessivo com algum hobbie, não apenas animações japonesas, podemos encontrar características de comportamento “otaku” entre fãs de jogos eletrônicos, música, armas de fogo e até engenharia automotiva, este tipo de comportamento costuma ser amplamente desaprovado pela cultura oriental, comumente associados a episódios de surtos paranóicos e autodestrutivos.
No ocidente o termo “otaku” ganha outra conotação, sendo empregado exclusivamente para a base de fãs de animação japonesa e mangás, o que tende a desenvolver controvérsias, levando em consideração o sentido em seu país de origem e a historicidade por trás da palavra, o termo “otaku” sofre então, uma resignificação de seu sentido, assim como outras palavras que foram inúmeras vezes re-apropriadas no idioma inglês, como “punk” ou “gothic”.
É interessante perceber que bairros como Akihabara adequaram seus negócios para muito dos gostos excêntricos deste público, como cafés e restaurantes temáticos e lojas especializadas. Apesar de ser uma cultura distante e introspectiva, é errado argumentar que os Otakus compartilham de um isolamento social, levando em conta que através do consumo os mesmos continuam ingressos na sociedade japonesa, onde muitos são considerados heavy expenders.
Este mês, a Yano Research Institute, um dos institutos de pesquisa de mercado mais antigos do país divulgou que 25,5% da população japonesa se consideram ou aceitam serem rotulados como “Otaku”, estamos falando em um mercado de 31.858.373 possíveis consumidores, ter seu marketing voltado para um nicho tão extenso tem suas vantagens mercadológicas.
De acordo com a mesma pesquisa, o mercado otaku acompanhou um acréscimo de 40% participação em jogos eletrônicos online e principalmente em simulações de namoro e eroges (games eróticos), outro mercado que demonstrou crescimento foi o relacionado ao “idorus”, o consumo de bens relacionados a grupos como o AKB48. Esse “comportamento obsessivo” dos otakus ganhou fama devido à falta de limites que existe em alguns, com atitudes que beiram a psicose, tais indivíduos são geralmente conhecidos como “kimoi-ota”.
Existe uma série de motivos para que alguém possa vir a ser considerado “Kimoi-ota”, claro o engajamento em um ou mais hobbies é o ponta pé inicial, mas como tudo nessa vida, existem manifestações saudáveis ou não para um hobbie, no Japão existem agravantes, principalmente entre as parcelas mais jovens da população adulta, como a dificuldade de relacionamentos e até mesmo em estabelecer uma família torna o japonês médio propenso ao gasto de dinheiro com outras objetividades, ou até mesmo as pressões familiares e profissionais têm desenvolvido pessoas consideradas “Hikikomori”, dotadas de extrema agorafobia, que não saem de casa e são considerados um caso de saúde pública pelo governo nipônico.
Os casos mais famosos de “kimoi-ota” costumam acontecer com “Seiyuu”, principalmente do sexo feminino, um(a) Seiyuu é um ator de voz, uma profissão muito similar ao dublador, mas com a repercussão de animações e jogos no mercado japonês, um Seiyuu costuma ter maior projeção, principalmente no show-biz. Em diversos casos, são relatados episódios de “stalking”, ou seja, perseguição de ídolos em espaços públicos e até mesmo invasão de privacidade, não é incomum que muitos postem seus rompantes de fúria em fóruns anônimos, com fotos ou produtos relacionados degradado graças a um detalhe da vida pessoal da Seiyuu.
Podemos alegar que o AKB48 flerta de forma muito próxima com essa “categoria de fã” , e essa última ação do grupo é exemplo deste interesse, mas quem podemos culpar? Uma sociedade que em muitos casos temos dificuldade em compreender? Os fãs psicologicamente imaturos? Os rapazes e garotas “criados em cativeiro”? Acredito que a resposta seja mais simples, apenas os produtores.
Demorei um tempo para entender porque essa ação do AKB48 me incomodou, justo eu que não ligo e até esnobo de coisas consideradas doentias ou obscenas pelo senso comum, mas o que me irritou foi a leviandade com que essa “desumanização” das integrantes é levada e a própria foto promocional, desprovida de qualquer “tato” sobre a noção de gravidez e a condição feminina.
Essa primeira década do século XXI fechou com o surgimento de uma mentalidade mais tolerante e proativa em relação ao “fanboy” e sua contra-parte oriental, o otaku, e com isso, é preciso pensar em formas de transformar nossos hobbies em coisas saudáveis e construtivas, se estamos falando sobre ídolos, é preciso seguir um pensamento de orientação similar, afinal, nada mais contraditório que fomentar um mercado que “desumaniza” cada vez mais o fator humano.