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Um cidadão contra a má-administração do Transporte Público – Parte I

São Paulo é uma cidade ingrata aos fins de semana com quem não possui carro. Qualquer programação sua tem que ser estendida de três a quatro horas devido ao tempo perdido esperando ônibus (para quem vai de metrô, o drama é um pouco menor). Os coletivos demoram tanto para passar que quando passam muitas vezes ficam tão lotados quanto estariam em dias de semana em horários de pico.

Será que o número de passageiros aos fins de semana cai tanto assim para justificar eu esperar o dobro do tempo para pegar um ônibus igualmente lotado? E quem trabalha aos finais de semana e tem horários a cumprir, como fica? Para sair de um plano geral e pegar um exemplo prático, vou usar uma situação que eu passo como exemplo.

Moro próximo ao Metrô Belém e minha namorada mora no Parque São Rafael. A opção mais fácil para visitá-la seria pegar a linha “372R-10: Metrô Belém – Parque São Rafael”. Acontece que este ônibus demora tanto aos fins de semana que às vezes compensa mais pega o metrô até a Estação Brás, fazer baldeação até o trem, descer na Estação Santo André e pegar um ônibus até a casa dela. Percebem o absurdo disso? É comum eu mais ficar meia hora esperando o coletivo. Até para fim de semana, considero este tempo de espera muito grande.

Pois bem, ontem, 26 de janeiro de 2012 (domingo), saí da casa da minha namorada e cheguei no ponto de ônibus às 21h51 para pegar o coletivo e ir para casa após um dia agradável. Somente às 23h45 (não, você não viu errado) um motorista desta linha indo guardar seu veículo na garagem resolver dar carona para quem estava no ponto até o Terminal São Mateus. Fiquei praticamente DUAS HORAS esperando o maldito ônibus aparecer e nada.

Depois de pegar um ônibus de outra linha, resolvi ligar para a prefeitura através do 156 e registrar uma reclamação. Para quem não sabe, este número serve para qualquer assunto envolvendo a prefeitura de São Paulo e é gratuito. Pode ligar até de seu celular que não cobra nada. Liguei achando que só falaria com aquela atendente eletrônica, mas para minha surpresa existem atendentes de plantão 24 horas.

Expus o ocorrido para o atendente e eis que descubro que, pelo sistema deles, um veículo sai do ponto inicial às 22h. Os próximos saem às 22h20 e 22h40 e o último sai às 23h.  QUATRO VEÍCULOS DEVERIAM TER PASSADO E NENHUM PASSOU. Pelos horários deste sistema, a cada 20 minutos deveria passa um coletivo. Coisa que eu NUNCA vi acontecer em um domingo. Ou os horários dos veículos na prefeitura estão totalmente errados ou os fiscais desta linha estão fazendo um serviço de porco.

O número de protocolo da minha reclamação é 10588507, disseram que foi passado para a SPTrans e que eles tem até 20 dias (um absurdo, diga-se de passagem) para dar uma resposta para o ocorrido. Peguei todos os horários de ônibus desta linha a partir das 21h de sábado e domingo. Caso ocorram mais atrasos durante estes 20 dias, haverão mais reclamações. Tenho andado de saco cheio de algumas coisas que andam acontecendo em serviços públicos e privados e vou reclamar até conseguir uma satisfação, que é o mínimo.

Recapitulando:

– O telefone 156 é gratuito, 24 horas e pode ser usado para fazer reclamações sobre qualquer serviço sob responsabilidade da Prefeitura de São Paulo. Eles te pedem nome completo, endereço (com CEP), telefone, RG e um e-mail. Caso na hora da reclamação você não tenha como anotar o número do protocolo, é possível ligar mais tarde e recuperar este número através de seus dados;

– Todo ônibus tem horário certo para passar. Sim, eu sei que com o trânsito da cidade isto nem sempre pode ser cumprido, mas deveria. Se você ligar no 156 e pedir os horários dos ônibus de alguma linha, eles são informados e, segundo o atendente, DEVEM ser cumpridos.

Fica aí a dica sobre como agir nestes casos e aguardem novidades sobre este caso!

OcupaUSP: uma vitória pírrica para a sociedade paulistana

Esse final de semana eu abro a Revista Veja e me deparo com a matéria sobre a ocupação na USP, a revista – um dos maiores meios de comunicação do país – adota uma postura sequer imparcial, sem informação ou texto jornalístico, a matéria, em resumo, é uma demonstração de nojo à última onda de protestos que vem impactando a rotina do campus e ganhando espaço na imprensa.

O carro chefe da matéria “A Rebelião dos Mimados”, escrita por Marcelo Sperandio, era uma foto que ganharia uma notoriedade na internet, gerando inúmeras piadas pelo seu aspecto inusitado e debochado: um aluno – que em tese, faz parte dos manifestantes – se encontra sentado na cadeira, o que chama a atenção é o vestuário do rapaz, um macacão da GAP – uma marca importada de roupas casuais – e um óculos, supostamente, ray-ban.

E sem muitas delongas, o jornalista percorreu a matéria, desenvolvendo lições de morais, críticas à postura dos manifestantes, alegando que os alunos são apenas crianças mimadas, que protestam pelo direito de fumar maconha sem serem perturbados pela polícia militar, esse garoto se tornou o “retrato” da pequena ocupação que se desenvolveu no campus.

Os protestos tiveram como pontapé inicial a prisão de três alunos por porte e consumo de maconha dentro das imediações do campus no dia 27/10, quando diversos estudantes, em “demonstração de solidariedade” resolveram impedir que a PM prendesse seus colegas universitários.

Isto foi o estopim para reaver um antigo trauma da comunidade em relação a presença policial no campus, entre inúmeros argumentos, alega-se que a presença dos mesmos é uma ferramenta para coibir manifestações e até mesmo a liberdade de expressão.

De forma coincidente, dia 31/10, um rapaz chamado Thiago De Carvalho Cunha, um dos militantes do Acampa Sampa, a manifestação paulistana para o movimento global Occupy Wall Street, invadiu e interrompeu uma matéria do Jornal Hoje da Rede Globo de Televisão, em entrevista, o mesmo declarou: “Sou muito politizado, tenho 23 anos e, no momento, sou sustentado pela minha mãe”.

No dia 7/11, um dia antes do ultimato promulgado pela Justiça para que os manifestantes desocupassem o prédio da reitoria, o cinegrafista da Rede Bandeirantes, Gelson Domingos, foi baleado durante a gravação de uma invasão do BOPE a uma favela carioca, este triste incidente reacendeu um antigo debate brasileiro: “quem financia o tráfico de drogas?” Claro que o bode expiatório caiu nos ombros da juventude universitária da classe média brasileira.

E para finalizar o cenário, fica no ar a influência da onda de “marchas” que começaram após forte intervenção policial sobre a passeata a favor da legalização da maconha que ocorreu na Av. Paulista, o movimento ganhou projeção nacional, usando o direito da liberdade de expressão em sua vanguarda, fica a expectativa de o quanto do progresso alcançado pelas marchas será danificado após o término da ocupação.

Tenho acompanhado o desenvolvimento do argumento que pessoas “ricas” são isentas do direito de manifestar-se, ou seja, rico não pode protestar, uma vez que possui acesso a tudo, educação, saúde e entretenimento, não existem espaço para queixas ou o direito de reivindicar direitos, isto não passa de um sintoma de miopia social, um argumento da mesma lógica utilizado pelo jornalista Marcelo Sperandio.

A própria Veja, conhecida pelo público por ser uma periódico de centro-esquerda, em que seu editorial já defendeu mais de uma vez os fardos da classe média ao longo da administração petista encontrou uma pequena contradição ao condenar as manifestações universitárias, declarando que a mesma é encabeçada por “filhinhos de papai maconheiros”.

A instituição conta – no momento – com 89 mil alunos, ao contrário do estereótipo que foi fomentado por veículos como a Revista Veja, o clima na USP é despolitizado, onde muitos alunos ministram seu tempo intercalando matérias, estágios e cursos de idiomas oferecidos dentro do campus.

Outro argumento comum para dissimular a legitimidade os protestos se encontra no volume de alunos manifestantes em comparação ao resto da população do campus, considerando os mesmos como uma minoria e por isso, isenta de voz, uma constatação que vai contra os princípios democráticos.

O sociólogo Carlos Henrique Metidieri Menegozzo, em entrevista a revista Carta Capital, afirma que a mentalidade radical na USP passa por dois processos que se encontram em polos opostos e conflituosos.

Os da esquerda, na definição sociológica, são em parte resultantes de uma ideologia do descondicionamento de classe, “surgida quando o estudante é desobrigado de criar condições para seu próprio sustento”. Nesse caso, o estudante universitário, em sua maior parte de classe média e relativamente dependente dos pais, tem a impressão de que pode tudo. De acordo com Menegozzo ““O aluno imagina que pode assumir um comportamento político desligado de condições materiais e de interesses de sua classe origem”.

Já a direita, nas palavras do sociólogo, é reflexo da expressão de um movimento da classe média de maneira geral e que influencia o comportamento estudantil, quando segmentos da sociedade ascenderam após as políticas sociais estabelecidas no governo Lula, a antiga classe média vivenciou uma perda de status e poder, e o crescimento de uma mentalidade mais conservadora e agressiva é resultado direto dessa sensação de perda, o que é visto opiniões que envolvem políticas de cotas, por exemplo.

Por último, existe o confronto estatístico, alegando os resultados após a presença da PM e seu impacto na rotina dos alunos, um levantamento feito pela Polícia Militar 80 dias após o assassinato do estudante Felipe Ramos de Paiva ocorrido em maio, os furtos de veículos caíram em 90% (apenas dois casos foram registrados, ante os 20 anteriores). Já roubos em geral passaram de 18 para 6, uma redução de 66,7%. Roubos de veículos caíram 92,3%, passando de 13 para 1.

Outros dois crimes que tiveram redução foram lesão corporal, que caiu de nove para dois casos (queda de 77,8%), e sequestro relâmpago, de 8 para 1 (redução de 87,5%). Os dados estão em boletins de ocorrência registrados nas delegacias do entorno da Cidade Universitária.

Dos 103 boletins de furtos registrados depois da morte ante os 107 do período anterior, apenas 20 ocorreram em via pública, sendo 19 no interior de veículos, dos quais em 12 o objeto visado foi o estepe do carro. O outro furto foi de uma placa de veículo.

Os outros 83 casos aconteceram no interior das unidades, onde a PM não entra. Nesses locais, a competência de garantir a segurança é das empresas privadas de vigilância, contratadas pelas próprias unidades, ou da Guarda Universitária da USP, que tem como função proteger o patrimônio da instituição.

O argumento das alas mais radicais dos grupos universitários é que a presença da Polícia Militar tem servido para inibir os atos democráticos de manifestações, que, diga-se de passagem, são comuns dentro de meios acadêmicos.

A presença política nas manifestações – parte do intricado mosaico geopolítico da universidade – é apenas outro ponto, se embora a manifestação dos alunos possa ser consideração legítima, a ocupação da reitoria dia 01/11 foi encabeçada por grupos políticos como o PCO, a presença de bandeiras como a do PSTU e do PSOL podem ser encontrados entre os ocupantes, algo que nós podemos considerar como ato político e questionável.

A reação contra a presença policial no campus tem repercutido um criticismo sério por parte da população, que veem nas reinvindicações dos universitários nada menos que um “luxo”, alegando que não precisam de um direito do cidadão – o de proteção – enquanto diversas outras comunidades do município de São Paulo carecem do mesmo direito.

Em infeliz declaração a imprensa, Geraldo Alckmin, governador do Estado de São Paulo declarou sobre a situação : “Ninguém está acima da lei”, o profº Jorge Luiz Souto Maior, livre docente da Faculdade de Direito da USP foi pertinente em argumentar: “Ninguém está acima da lei”, traduz um preceito republicano, pelo qual, historicamente, se fixou a conquista de que o poder pertence ao povo e que, portanto, o governante não detém o poder por si, mas em nome do povo, exercendo-o nos limites por leis, democraticamente, estatuídas. O “Ninguém está acima da lei” é uma conquista do povo em face dos governos autoritários. O “ninguém” da expressão, por conseguinte, é o governante, jamais o povo.”

Muito foi dito sobre políticas de controle e higienismo no estado de São Paulo por parte da administração do PSDB, sabe-se que 25 das 32 subprefeituras do município possuem no comando reservas ligados a Policia Militar, também existem cerca de 90 oficiais em cargos considerados estratégica para a máquina pública paulistana, entre eles podemos citar a Secretaria de Transportes, Companhia de Engenharia de Tráfego, Serviço Funerário, no Serviço Ambulatorial Municipal, na Defesa Civil e Secretaria de Segurança.

Dia 08/11, por volta das 5:20 da manhã, um grupo de 400 policiais do batalhão de choque invadiram a reitoria com o objetivo de retirar os 150 alunos ocupantes do prédio, embora a assessoria da Polícia Militar alegue que a retira foi pacífica (embora, relatos de uso de gás lacrimgênico e abuso de força cheguem aos poucos, como nesse vídeo aqui), cerca 70 manifestantes foram presos, com múltiplas acusações, que vão de crime ambiental a formação de quadrilha, também foram encotrados, armas brancas e molotovs nas imediações ocupados, muitos detidos só conseguiram responder aos processos após o pagamento de fiança ou seja, os atos de manifestação foram considerados criminosos de acordo com a administração do município.

Todo o cenário poderia ter sido um de vitória, de manifestações pacíficas e reivindicatórias, sem a presença de joguetes políticos ou depreciação do patrimônio público, ao mesmo tempo em que as autoridades o papel que lhes cabe a sua jurisdição.

Ambos os lados tem ganhado notoriedade por seus atos exaltados e violentos, mas aqui eu questiono o que – nós – como povo conquistamos após esse episódio? Após a ação policial, parte da opinião pública aclamou pela intervenção brutal promovida pelo Batalhão de Choque, enquanto parcelas da comunidade universitária encontrarão no ato de agressão uma justificativa para seus argumentos radicais, tudo o que nós, o povo, conseguimos foi uma vitória pírrica.

Lei Seca na Virada Cultural: Hipocrisia Pública

Não contente em tirar todos os artistas de rua da Av. Paulista usando a polícia de forma violenta, não contente em fundar um partido oportunista e fisiologista e não contente em não cumprir sequer a metade das metas de seu mandato, o ilustríssimo prefeito de São Paulo Gilberto Kassab nos dá mais uma prova de que é um grande filho da puta instituindo a “Lei Seca” durante a edição deste ano da Virada Cultural.

Explico: neste ano as barracas oficiais do evento não venderão bebidas alcoólicas, a vigilância em cima do ambulantes será redobrada e será cumprida a risca (e a força, tenham certeza) a lei que manda os bares fecharem a 1 hora da manhã. Os motivos alegados são:

Diminuição da sujeira gerada durante o evento;

Evitar confusões geradas pelo consumo excessivo de álcool;

Prevenir os cidadãos de prejudicarem sua saúde ao comprar bebida de origem duvidosa.

Tudo muito lindo e maravilhoso. Traz-me lágrimas aos olhos a preocupação da nossa Prefeitura com o bem estar daqueles que querem aproveitar o evento, não? O pior é que muito gente engoliu esse papinho e está comemorando esta decisão. Como alguém que se sentiu prejudicado com essa decisão, gostaria de analisar cada item acima um pouco mais a fundo.

“Diminuição da sujeira gerada durante o evento.” Quer dizer então que os consumidores de água, refrigerante, suco e guloseimas em geral jogam TODOS O LIXO DELES no lixo? “Ah, mas o pessoal passa mal, vomita.” Em qualquer lugar que eu vou no fim de semana tem disso e esse mesmo pessoal que agora reclama já fez passou mal em mais de uma ocasião.

Galera, o problema da sujeira é um só: muvuca. Você não tem tempo hábil de ir até um local propício gorfar e nem saco de ficar segurando sua latinha de qualquer líquido vazia até achar uma maldita lixeira, então você taca no chão mesmo. A real é que não tem jeito e nesse caso cabe sim ao poder público se organizar para minimizar os efeitos desse monte de gente sujando tudo. Triste, mas inevitável.

“Evitar confusões geradas pelo consumo excessivo de álcool”. Essa afirmação até procederia, mas quem quiser encher a cara vai fazê-lo, com ou sem Lei Seca. Seja levando seu próprio isopor cheio de cerveja ou seja levando sei lá quantas garrafas de destilados em uma mochila, quem quiser encher a cara vai encher. Sem contar a compra desenfreada de bebidas perto da 1 da manhã para estocar pra mais tarde, o que vai gerar um surto de bêbados perto deste horário, anotem.

E as confusões são geradas pela bebida ou pela falta de segurança e organização? Aquela batalha campal que houve no show dos Racionais anos atrás foi realmente causada pelo álcool? Nesse caso vamos esperar os dados após o evento e então aprofundar o assunto.

“Prevenir os cidadãos de prejudicarem sua saúde ao comprar bebida de origem duvidosa”.  Essa é piada, né? Porque vai acontecer justamente o contrário! Será que ninguém na prefeitura sabe o fracasso que foi a Lei Seca nos EUA? O que mais vai ter serão sujeitos no meio do povão com cerveja quente e os chamados “vinhos duvidosos” dentro de uma mochila. Claro que eles vão vender ao preço que quiser e vão vender muito, acreditem.

Os ambulantes nunca seguiram a lei e vão continuar não seguindo. Essa proibição só vai aumentar o Nível de Desafio do trabalho deles, mas no final das contas quem vai se prejudicar vai ser aquele que fazia tudo mais as claras e quem vai lucrar mesmo são os mais obscuros.

Isso tudo foi só citando a proibição da venda. Mas ainda temos a cereja do bolo: o fechamento dos bares à 1 da manhã. Só eu acho incoerência em um evento que dura 24 horas você proibir os donos destes estabelecimentos de trabalhar?

A vida noturna (com seus bares inclusos) não faz parte de cultura desta cidade? Uma das coisas mais legais da Virada pra mim é sentar em um boteco de vez em quando entre os eventos pra tomar alguma coisa e comer algo. Bem, esse ano não vou mais poder fazer isso.

E vocês meninas que pagavam R$1,00 para entrar em algum boteco minimamente limpo para usar o banheiro, vão ter agira que fazer naqueles adoráveis banheiros químicos.

E você que bebe água e refrigerante acredita mesmo que as barraquinhas da Prefeitura vão dar conta de atender a demanda de consumidores da Virada Cultural? Eles vão ter estrutura pra manter as bebidas geladas a noite inteira? Eu duvido.

E você já viram a alimentação destas barraquinhas? Não? Pois vão ver essa ano e serão OBRIGADOS a comer nelas, umas vez que a opção de comer um misto-quente confortavelmente sentado em um local coberto me foi podada.

Por essas e outras que eu acho essa “Lei Seca” uma baita palhaçada. Eu não preciso da Prefeitura me dizendo como me divertir atendendo a interesses obscuros, visando trabalhar menos e lucrar com multas ao invés de fazer o que realmente precisa ser feito.



Blues urbano de um flâneur paulistano: Liberdade

Existe algo no bairro da Liberdade que eu considero como místico, um bairro de história e notáveis contrastes, caminhando pela praça, durante o entardecer de uma Quarta Feira, o lugar é vazio, quase inóspito, pessoas de rostos comuns caminham pela praça, alheios ao passado do lugar, uma loja de CDs usados ao lado de uma mercearia chinesa, o cheiro de nuggets no McDonalds ali perto. O céu cinzento de São Paulo se põe e o cheiro ocre do lixo abandonado permanece nas ruas, uma senhora sai da Igreja Santa Cruz das Almas dos Enforcados, dizem as más línguas que o local é assombrado.

Sobre os alicerces do Tori, adesivos contendo mensagens subversivas e ícones pop fazem contraste com o vermelho do monumento, sem organização alguma, o passado perene é lentamente desgastado pela cola velha, erosão e inúmeros stencils espalhados pelo local. No viaduto da Galvão Bueno, uma senhora boliviana, trajando indumentárias típicas, vende seus panos enquanto disputa a voz com diversos outros ambulantes, pilhas de DVDs lotam a calçada, com filmes e shows de idorus, cantores de enka, doramas, animes que lado de coletâneas de Black Music e pornôs das Brasileirinhas.

Olhem os prédios ao redor, paralisados na década de 70, o desgaste do branco pelo tempo e pela poluição contribui com um tom sépia nostálgico para a paisagem do local. Antes dos japoneses, por este bairro já passaram portugueses, italianos e até árabes, cada um deles adicionando algo a mais para o DNA desta entidade urbana.

Descendo a ladeira da Thomaz Gonzaga nós ainda podemos encontrar vestígios de senzalas, janelas pequenas c/ grades enferrujadas, tímidas, escondidas das vistas menos atentas, ou no casarão reformado na Rua da Glória, onde hoje abriga uma DP da Polícia Militar, dizem que lá dentro uma enorme senzala ainda é conservada, há, nada mais apropriado para os cães de guarda do nosso Prefeito Kassab.

O bairro também é local de histórias envolvendo contravenção e desafio à autoridade, durante o regime populista de Getúlio Vargas, foi-se proclamada uma lei que proibida o estudo de outros idiomas, qualquer brasileiro que tivesse interesse no estudo de línguas estrangeiras era suspeito de ser “comunista”, imigrantes e descendentes se encontravam em porões de vários comércios da regiãom com o intento de estudar de forma clandestina o seu idioma natal.

Hoje em dia, diversos elementos da fauna urbana paulistana freqüentam o local, em especial nos finais de semana, a praça ao lado do metrô é um dos locais mais queridos das memórias de minha adolescência, moleques ficavam lá noite adentro, falando merda, tomando bebida vagabunda, comendo marmitas de yakisoba da feira que acontece todo fim de semana, podíamos encontrar de todos os tipos, espalhados pelas escadarias, bancos ou até sentados no chão: cosplayers, B-Boys, darks, lolitas, otakus, headbangers e tantos outras tribos urbanas que contracenavam com famílias que vinham visitar o bairro em seu tempo vago.

“Escondido” é uma boa definição para um bairro onde tudo é vestígio e lembrança, a Liberdade é um lugar de mistérios, onde cada casa, restaurante, loja e praça guardam histórias que anseiam por serem descobertas, cada passeio inevitavelmente nos leva em direção a uma epifânia. É em uma dessas escadarias escondidas que eu descobri o Café Kohii, localizado na Rua da Glória, nº 326, um lugar de paredes brancas que ostentam um enorme painel de recados para as vítimas do terremoto que atingiu o Japão no início do mês passado.

O painel representa bem o clima cosmopolita do bairro, mensagens em japonês, chinês, mensagens de apoio no próprio idioma português, tímidos “Gambarê Japão!”, assinaturas que lembram pichações, animais desenhados por um traço infantil e até rascunhos de mangás. Tive uma conversa agradável com o proprietário do local, Jun Takaki, um rapaz instruído e com uma visão empreendedora para o bairro, Jun me falou sobre as primeiras famílias, que desceram do navio Kasato Maru, fotos históricas, curiosidades como o Cine Niterói, foi como se essa historicidade tivesse passado por mim diante dos meus próprios olhos, também conversamos sobre a delicada geopolítica do bairro, envolvendo a Associação do Comércio, Empresas e a Prefeitura.

Liberdade é isso, uma egregóra dentro da paisagem urbana de São Paulo, de fantasmas que clamam por enforcamentos públicos e restaurantes escondidos em portinholas, onde bêbados cantam em karaokês. Bairro esquizofrênico, que se expande e se molda de forma frenética e imprevisível, Liberdade, dos imigrantes do Kasato Maru e tantos outros, das turbas que clamam pelos enforcados, dos paulistanos, dos turistas curiosos e adolescentes fanfarrões, Liberdade, meu lugar favorito para ser flâneur.

Zona Norte, São Paulo: 48 horas no escuro

No último debate dos presidenciáveis, em meio às trocas de acusações que vão de censura dos meios até ao aborto, Marina Silva, do Partido Verde, mencionou a problemática das enchentes, não apenas a extensão do problema, mas a conseguinte omissão por parte dos órgãos responsáveis. O período das enchentes dura o quadrimestre de Dezembro até Março, logo ao término dele, as autoridades realizam o mínimo necessário para reparar os dados e assim, entre prejudicados e mortos, a vida prossegue.

Ou ao menos é assim que os noticiários tendem a abortar o assunto, em meia tanta exposição exercida pelos grandes grupos de imprensa do país, o real papel do profissional de comunicação obtém pouco êxito. Os “danos” vão desde calamidade sanitária, passando por debilitação do negócio agropecuário, destruição de propriedade, surtos de criminalidade, traumas psicológicos, perda de bens perecíveis, prejuízo financeiro, cooptação do bem estar civil e quantos outros nomes compostos eu puder imaginar.

O que eu não poderia imaginar é que eu vivenciaria isso, numa experiência assim tão próxima, onde por três dias, após uma chuva forte, eu fiquei incomunicável, sem água potável e, principalmente, sem energia elétrica, e isso em uma das regiões mais nobres da Zona Norte paulistana, a chuva que caiu no dia 21 afetou o bairro de tão forma que há quase uma década morando aqui, jamais vi uma situação parecida.

No início nós não estranhamos, seria apenas outra queda de energia, algo que eu posso dizer – com um certo pesar – que é comum em dias chuvosos, porém nossa inquietação começou ao entardecer, quando eu e minha família não conseguíamos informação, pela falta do que se fazer e até mesmo pelo tédio noturno, minha mãe tendou ligar para a AES Eletropaulo, a empresa privatizada responsável pela manutenção e abastecimento de energia em São Paulo, das 120 ligações que nós realizamos – sério! – apenas duas foram efetuadas, nos advertindo que a cidade encontrava problemas e que em dentro de uma hora a situação seria normalizada, passou-se mais de uma hora e nada, quando, por milagre, conseguimos ligar de novo, a mensagem gravada avisava um novo prazo e mais nada, sem muitas esperanças – e morrendo de calor! – aos poucos as pessoas aqui em casa foram pegando no sono.

Acordei um tanto ansioso, com esperanças que a situação pela manhã seria resolvida, porem isso foi ingênua suposição minha, na manhã do dia 22 veio o segundo dos problemas: é natural de se esperar que com a queda de energia, Internet e algumas linhas telefônicas fossem junto, porem minha avó, alarmada, percebeu que não estava entrando água, estava claro a partir daí que a vizinhança se encontrava em uma situação insalubre, naquele dia não só tentamos contatar a AES Eletropaulo, mas também a SABESP, responsável pelo fornecimento de água e saneamento aqui em São Paulo, desta vez sequer conseguíamos alguma informação, com tempo vago e o horário de almoço se aproximando, nós decidimos pegar o carro e procurar algum restaurante na vizinhança, o que eu vi porem, foi um triste cenário de negligencia e descaso por parte da prefeitura paulistana.

Para vocês, que não moram em SP, terem uma noção, a Zona Norte é uma das regiões mais arborizadas do município, um dos grandes dilemas encontrados pela população que reside aqui está em relação o que fazer com as inúmeras – e sim, maravilhosas – árvores que encontramos na calçada, por lei, estamos vetados de poder cortar elas, um pedido para a subprefeitura pode demorar até três meses ou mais para ser atendido, passeando de carro pelas ruas, eu pude ver árvores que levaram postes, pedaços das calçadas, carros, muros e em alguns casos, obstruíram ruas. O mais curioso é que não encontramos uma figura de autoridade civil na rua, nenhuma viatura de polícia (E eu moro perto da academia de cadetes do Barro Branco E do Hospital da PM), bombeiros ou carros pertencentes às empresas de luz e saneamento, a zona norte paulistana estava em cacos, sequer o carro para colete de lixo passou!

Eu penso que isso é foda, porque em dias comuns, perto de casa, existe uma viatura parada no cruzamento cujo único propósito é multar os carros que passam, onde estava ela nesses três dias? Não sei! Isso é válido também para os inúmeros funcionários do CET que exercem sua função na região.

Foi naquele dia também que uma das coisas mais tristes deste evento aconteceu, começamos a notar que a comida na geladeira estava estragando, jogamos fora e o pesar da situação era visível no rosto de minha mãe, começou a anoitecer e, por quase uma hora, a energia tinha retornado, o que seria a solução de nossos problemas  foi apenas por um momento, escutamos um estouro, as luzes piscaram e logo em seguida tudo se apagou, novamente, chateados, sem muita alternativa, nós fomos dormir. Uma de nossas preocupações naquele dia foi em relação a criminalidade, a Zona Norte é cercada por alguns morros que se localizam próximos a Serra da Cantareira, estávamos dois dias sem iluminação noturna e policiamento nas ruas, então sim, estávamos com medo de furtos, ainda mais por morarmos em uma região nobre.

Naquela noite, quando fomos jantar em um restaurante na Zona Sul, pude notar uma dos maiores descasos com a população, um figuração engravatado de cabelos grisalhos da AES São Paulo, falando na SPTV da Rede Globo sobre os problemas da chuva: que 1) o problema foi o aumento das chuvas, que isto não é culpa de sua empresa e/ou os órgãos envolvidos e que 2) Até determinado momento da entrevista, 98% dos casos estavam “normalizados”, o cu da mãe morta dele que estava, não minha casa, sequer minha vizinhança. Não é a primeira vez que eu escuto este tipo de argumento fatalista e omisso, Sérgio Cabral falou algo parecido durante o desastre de Petrópolis, e isso vem se tornando recorrente nos discursos dos Assessores de Imprensa que a culpa não é do mecanismo de estado e sim da natureza.

Isto não é apenas assumir através de um silogismo tacanho que a administração do poder público é incapaz de previnir/sanar a situação, mas também é um dedo do meio na cara da população, nada podia ser feito? As chuvas aumentaram, e na corrida “beligerante” da coisa, o que se foi feito para mitigar o impacto? Pois é, queria saber se na casa do Gilberto Kassab ou do José Serra faltou luz, Internet, comida e água, pois é, acho que não.

Então novamente amanheceu e pelo menos eu tive uma boa notícia, a água tinha voltado, o que foi um alívio, pois todos puderam se banhar e exercer a higiene pessoal com mais calma, em contrapartida, o lixo acumulado, combinado com o calor da época fez com que um cheiro desconfortável de xurume subisse no ar e também, na garagem, encontramos aquilo que eu e meu pai suspeitamos ser uma tentativa de arrombamento do portão, passeando pela vizinhança, vi o que causou o estouro da noite anterior: um cabo de alta tensão jogado no chão, marcas de fuligem na calçada e na parede do vizinho, conversando com ele, o mesmo me contou que há meses tenta notificar a prefeitura que um galho da árvore estava suspenso nos fios do poste, e que tinha receio daquilo acontecer.

Bom, finalmente, no final da tarde, a luz voltara, o que eu pude presenciar não foi apenas a lentidão incomum, mas também outro fato quer comprova o quanto a cidade está abandonada, e sua gestão, ineficiente, o que eu pude ver, só hoje pela manhã, foi o festival de burocracia e redundância: sem a polícia para interditar a rua, nada podia ser feito e AES São Paulo não poderia realizar os reparos, e sem a autorização do Corpo de Bombeiros, os galhos não poderiam ser removidos, e isso foi se estendendo por cada maldito poste da região, o maior prejudicado? Nós, pagantes de impostos e submetidos a lei e nosso papel cívico, e olha que essa foi SÓ a história da minha casa, imagine quantos casos parecidos ocorreram por toda a vizinhança?

Enquanto nosso prefeitinho de merda tiver mais preocupado em criar novo partido, se safar de denúncias relacionadas a cargos interiores, dobrar o próprio salário, mais interessado em mandar polícia bater em estudante, caçar homossexuais, cortar verba de merenda escolar chamar nego de vagabundo e “higienizar” a cidade, essas merdas vão acontecer, e eu não estou querendo ser alarmista ou apocalíptico não, é factual, em 2011 novas enchentes ocorrerão, e toda sorte de tragédia, drama, descaso e teabagging vão acontecer! 2012 é ano de eleição, e bom, eu vou lembrar cada minuto, cada probleminha, cada tapa na cara que eu levei nesses últimos quatro anos.

 

Papo Rápido: A falha experiência democrática no Brasil e as manifestações populares no Oriente Médio

A família toda estava reunida na mesa de jantar, comendo a famigerada pizza da sexta-feira, televisão ligada, o Jornal Nacional da Globo entra no ar, discutimos as notícia que passavam, cada um com sua opinião borderline ao senso comum, como esperado, uma hora o âncora do jornal anuncia as manifestações políticas no Oriente Médio, em meio ao “debate” (entre aspas mesmo), alguém fala com um certo tom de deboche “até que outro ditador vem e assume o poder”.

Como se a nossa experiência democrática, com menos de uma década, tenha progredido tanto de lá pra cá, vide PMDB e seus políticos jurássicos.

Isso foi no mesmo dia que a polícia paulistana novamente entrou em confronto com estudantes contrários ao aumento da passagem no transporte público (agora o metrô),  até agora ainda não claramente justificado a população do município de São Paulo.

E pra piorar, os rumores de que Gilberto Kassab entrará para o partido citado acima, querido por todos nós, ameaçam se concretizar.

Embora exista uma multidão de dedos políticos nesta onda de manifestações, realizar vistas grossas para a panela de pressão econômica e social que tem conflagrado o Oriente Médio é uma idiotice sem tamanho, é um início saudável começar a conscientizar que monarquias plutocráticas que enriqueceram sob o dinheiro do petróleo não são boas para a população ou melhores do que fundamentalistas islâmicos, que toda aquela suntuosidade apresentada a nós como mera “curiosidade ocidental” não atinge sequer uma ínfima parcela da população.

Isto não é novidade, desde a visita de Reza Palahvi a Berlim, há mais de 40 anos atrás, a jornalista Ulrike Meinhof (sim, aquele Meinhof…) tentou denunciar através de um artigo o abismo social existente na região e a vista grossa por parte da imprensa ocidental.

Não foi apenas política que inquietou as mentes da população no Egito e na Tunísia, foi a fome, foi a inacessibilidade, foi o alto custo de vida, a ausência de luxo, a necessidade de se reintegrar a uma malha social global.

Mais importante do que especular se um novo ditador assumirá ou não, é perceber que o status quo foi alterado, a população, que a muitos já não é aquilo que “intelectuais” da classe média jocosamente chamam de “massa” se articulou e vivenciou uma das primeiras grandes experiências sociais e políticas da década, maldita inclusão digital, não?

E para nós, Brasileiros, mais especificadamente, paulistanos, somos terrorizados pelo silogismo que nos faz confundir “autoridade” e “funcionário público”, se, na questão do transporte público, muitos temem confrontar um “cobrador de ônibus” – um cargo, que, sinceramente, sequer deveria existir – quiçá teremos convicção para questionar uma força policial retrograda, fundamentada na violência e repreensão ou nossos órgãos políticos, que em um nascimento aberrante, trouxe do seio de uma ditadura uma democracia acéfala.

(cujo até hoje o STJ discute a constitucionalidade de seu aborto…)

Fascismo 2.0: incompetência e ingenuidade

Então um moleque em Tucson pega uma arma, abre fogo contra uma multidão, após sua captura, ao tirar a foto na delegacia, ele sorri, sua aparência é provocativa, cabelo e sobrancelhas raspados, seios da face rosados, é como se Tio Lester, em um dos seus delírios, tivesse pegado uma AK-47. É armado o circo, circo sem palhaços, Fox News e sua cômica pretensão de seriedade jornalística. Professores, Psicólogos, Líderes Comunitários e Jornalistas, todos saem em busca do bode expiatório, culpam a televisão, a permissividade dos pais, os vídeos-game, exploram mais uma vez os elos fracos da corrente da monocultura capitalista.

Em algum canto do Oriente Médio, um soldado é alvejado, seu corpo é arrastado por uma rua de terra batida, o populacho ignorante dança, festeja a perpetuação de um estado de conflito, a vanguarda intelectual da classe média vem a tona, carregando cestos de panos quentes, amenizando discursos, culpando pessoas, fala-se em paz, promove coexistência, sorrisos amarelos em 1080i

Então eu vejo uma fotografia da Sarah Palin esta manhã, seios flácidos amostra graças a um decote tipicamente republicano, uma espécie de caso freudiano bizarro, ela sorri de orelha a orelha, carregando um rifle, não um AK-47 bárbaro, mas sim uma carabina Winchester M1, orgulho estadunidense, debaixo de suas saias, a MILF queridinha da América carrega os cristãos furiosos da Igreja Batista de Westboro, os mutilados pela beligerância da Era Bush, o Tea Party, a retórica é uma só: a eminência de um inimigo, “o socialista”, “o estrangeiro”, “o libertário”.

Claro, a elite jornalística se sente praticamente ofendida, se por um lado a crescente tensão no oriente médio é vista como uma demonstração de barbárie, um ato de violência, pouco se diz aos protestos, leis xenofóbicas e tiroteios aleatórios que vem corroendo o já gasto sonho americano, relativizar a questão acaba sendo uma ofensa: “Nós, como eles? Isso é um absurdo!” Pior ainda é agüentar a Revista Veja, comentando sobre o “delirante partido democrata”.

Mason Lang, o Playboy Nova Era da supracitada série “The Invisibles” de Grant Morrison, uma vez comentou algo mais ou menos assim: “Para que o fascismo floresça, é necessário um estado de beligerância perpétua” e não é isso? O pior inimigo é aquele inventando e nutrido pelas nossas mentes inseguras, o que nos leva a um derivado comum da política fascista, a frieza burocrática, o famoso efeito Eichmann.

Saímos do panorama dos Estados Unidos e vamos para o Brasil, onde pudemos presenciar recentemente uma severa repreensão policial da PM paulistana contra manifestantes pacíficos contrários a uma medida completamente arbitrária por parte da administração da prefeitura. São Paulo, e por extensão, o resto do país, enfrenta período de decadência cívica similar aos nossos colegas americanos, a falta de preparo e silogismo de nossos políticos em admitir certos fatos apenas reflete a situação.

O segundo fator, que eu julgo como crucial para a germinação de ideologias fascistas em qualquer sociedade é a “cultura de denúncias”, de perseguição moral e intelectual por parte de correntes interpretadas como “dissidentes”, a dissimulação de manifestações, a erosão da infra-estrutura do espaço público paulistano exemplifica bem a situação: transporte público lotado, vias de acesso estagnadas, sistemas públicos enfartados, o cidadão abre mão de seu papel cívico – o questionamento crítico – para disputar de forma ferrenha aquilo que deveria ser o seu direito mais básico, vide sua política higienista, amplamente comentada por mim neste blog.

Kassab é o novo Eichmann, um administrador alienado perante as dificuldades de seu povo, um gestor incapaz de lidar com uma metrópoles do porte de São Paulo.

Outra raiz fascista existe no espetáculo estético, lembre-se dos gambitos publicitários de Goebbels e Riefenstahl, das marchas, ângulos expansivos, bandeiras rasteadas, lembre-se, bem, da invasão do Morro do Alemão. Antes de mais nada, deixe-me posicionar, eu sou a favor da operação, não interpreto o “poder paralelo” como uma resistência ao poder do estado, mas sim um derivado nocivo de sua inconseqüência, um “exploit” naquilo que chamamos convencionalmente de “sistema”.

O que me assustou, foi a exibição espetacular da ação, as fotografias de soldados fardados como se tivessem vindo de um jogo de tiro do X-Box 360, o rastreamento de inúmeras bandeiras, a interpretação errônea de “ocupação”, como se tratasse a população do Morro como a população civil de uma nação oponente, governadores e comandantes militares em discursos cheios de pompa, ou seja, nas vésperas de um novo mandato presidencial E eleições municipais, o que nós presenciamos foi uma ação policial com propósitos sociais OU um golpe de marketing?

Vivenciamos o estágio inicial desta doença, que por desleixo, deixamos infectar nossos pensamentos e rotinas, onde novamente a incompetência esdrúxula de políticos de todo mundo permitiu que crescessem os frutos da corrupção e desconfiança, cabe ao cidadão comum, o herói anônimo da história da civilização, ficar atento e reverter o processo, como já diziam nossos antepassados, Kali Yuga.

 

Seu deus é um lixo!

Eu devia ter uns 16 anos. Naquela época era comum eu e mais uns amigos nerds nos reunirmos para ir aos sebos do centro garimpar livros de RPG e ocultismo, comprar algum CD de metal importado na Galeria do Rock e depois passar na Liberdade para olhar aquelas mil coisas legais japonesas e não comprar nada. Era um tempo em que a Fonomag e a Animangá era points e você ter um mangá original em japonês fazia de você um cara fodão, mesmo que não soubesse ler um mísero caractere de qualquer alfabeto japonês.

(Pausa para os chatos de plantão: sim, eu sei que a Animangá não fica na Liberdade.)

Em uma dessas ocasiões já havíamos feito nosso garimpo e estávamos atravessando a Praça da Sé em direção ao Bairro Proibido quando fomos abordados por um evangélico. Normalmente eles se limitam a entregar algum panfleto, nos abençoar e sair andando. Mas este em particular viu um bando de adolescentes cabeludos e deve ter achado que era a missão divina dele nos salvar dos braços de Satã, pois começou a falar aquela ladainha que todo mundo já deve ter ouvido uma vez na vida. Após alguns minutos resolvo ser educado com ele:

– Entendo seu ponto de vista e tudo, mas já tenho religião. Frequento a Igreja Católica, participo de alguns grupos de lá…

Eis que nosso pretenso salvador me interrompe com a seguinte argumentação:

– Pois saiba que meu Deus é melhor que o seu!

Não sei se foi a raiva de ter ouvido uma merda dessas, se foi a pressa de ir embora ou se foi algum tipo de Epifania instantânea, mas me virei para ele de maneira um tanto quanto efusiva e disse:

– Seu Deus? SEU DEUS? Vem cá, seu Deus sabe dar combo aéreo?

O pregador pareceu ter entrado em pânico. Era óbvio que ele não sabia o que era um combo aéreo e não poderia dizer que “sim” com o risco de dizer que o Senhor fazia algo impróprio. Ele parece diminuir e responde de maneira vacilante:

– Não…

Não contente em ver um evangélico dizendo que seu Deus onipotente, onisciente e onipresente não poderia fazer algo, eu ainda solto:

– Então seu deus é um lixo!

E rindo efusivamente, continuamos nosso caminho discutindo como seria Jesus Cristo em um fight game dando 12 hit combo, um para cada apóstolo.

Liberdade, ontem e hoje (e um pequeno empecilho…)

Antes, uma pequena curiosidade mórbida, o bairro paulistano conhecido como “Liberdade” tem este nome devido a uma pequena ironia na época do Império, as redondezas do bairro eram conhecidas pela população como um campo de forca, onde escravos e dissidentes eram executados na forca, então para muitos, aquele era o único meio para alcançar a derradeira liberdade, não é a toa, que a Igreja próxima a estação de metrô é chamada de “Igreja dos Enforcados” e até hoje existem lendas sobre assombrações e espíritos no local.

O legal é que o bairro da Liberdade, de uma forma ou outra, agrega um contraste na tradição de emancipação e repreensão, para entender o último episódio, talvez seja interessante, ilustrar um pequeno contexto.

Antes de 1912, ou seja, antes do Kasato Maru, o Bairro era predominantemente português, sobre a paisagem cultural do bairro, a ocorrência de sobreposições e atritos sempre foram fenômenos comuns, primeiro os portugueses, então os japoneses, chineses e agora a imigração coreana, dos folclores tradicionalistas para a explosão do pós-moderno superflat, do acarajé ao lado do gyoza.

Com o boom da internet, a comunidade de apreciadores da cultura japonesa – com um foco no anime e mangá, principal vetor memético pra uma geração inteira –  tornou-se mais articulada, e, com tantos fóruns e redes sociais do início da web 2.0, foi uma questão de tempo até alguém marcar um encontro lá.

Um dos pontos mais famosos é uma pequena praça que existe logo na saída esquerda da estação do metrô, era comum nos finais de semana encontrar uma população heterogênica da fauna adolescente paulistana: punks de boutique, otakus, estudantes de artes marciais, V-K, góticos, headbangers, todos ali, fazendo uma cena capaz de escorrer uma lágrima no puto olho do Maffesoli.

Não é a primeira vez que o bairro serve de ponto de encontro para interesses em comum, na década de 70 houve uma proliferação de salas de cinemas, como o consagrado Cine Niterói, fundado por Susumu Tanaka, tais salas eram destinadas apenas à exibição de filmes japoneses, por muito tempo, tal circuito foi tão importante para o bairro quanto os restaurantes ou lojas especializadas.

(vale notar que muito desses cinemas hoje estão abandonados e em casos mais drásticos, em ruínas, ou até pior, tiveram sua estrutura aproveitada para Igrejas Evangélicas…)

O Bairro então, seja pela cultura ou pela presença das pessoas, nunca esteve morto, podíamos encontrar esses moleques – e alguns nem tão moleques assim… –  bebendo cerveja, lendo HQs e mangás, comprando DVDs pirateados e logo acima, tínhamos a feira de final de semana, com comidas orientais e muamba artesanal, assim como as associações, promovendo cultura e festivais.

O lugar sempre teve contrastes, podíamos conversar c/ o velho senhor Nikkei da mesma forma que podíamos encontrar aquela menina ocidental aspirante a Gyaru, o lugar sempre foi – e sempre será – uma verdadeira bombarda sensorial e sinestésica: cheiros, cores, sons e tudo o mais que tecnologia e corpo puderem provir, você.vai.encontrar.lá.

Ultimamente, porem, eu tenho percebido uma coisa, que na falta de palavra para definir melhor, é triste, nas últimas vezes que freqüentei o bairro pude notar que a praça estava vazia, mesmo para um fim de semana, e que, por mais estúpido que pareça, o motivo era uma pequena divisa, daquelas faixas que organiza fila pro cinema.

Ela se estendia de um canto para o outro, nos dois lados de acesso e embora existissem algumas pessoas na escada, o lugar estava deserto, imagine um espaço vazio em meio toda a densidade do bairro, é bizarro, não?

Questionei algumas pessoas – inclusive um segurança do metrô – e as alegações chegam a ser patéticas, depredações e lixo? Não muito diferente daquele produzido pela própria feira tradicional, orgulho do bairro. Drogas e Prostituição? Vale lembrar que a praça do metrô é próxima da Sé.

Claro, mais um pequeno entre tantos episódios da política higienista que a dobradinha PSDB/DEM tem promovido, me preocupa a natureza cívica dessa medida, já que a praça é um ambiente público, de acesso a todos e o que aquela faixa simboliza contradiz os mais básicos dos valores cívicos.

Em retrospectiva, não é a primeira vez que uma merda dessas acontece, vale lembrar no passado, c/ o Governo do Getúlio Vargas, banindo publicações e oratórias em idioma japonês, ou atualmente, onde senadores comandam o esquema de concessões em mídia, é natural ver este desdém em relação a proliferações culturais não planejadas.

O que eu sugiro? É que as pessoas insatisfeitas com essa medida, pulem, passem por baixo, ou simplesmente ignorem a maldita faixa, que no final das contas, não é nada, aquela praça – e qualquer outro maldito lugar –  é de todo e qualquer cidadão paulistano e não será mero pudor organizacional que vai impedir a erupção cultural que aquele bairro promove em sua essência.