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Gotham City Contra o Crime – Meia Vida

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Renee Montoya é uma coadjuvante recorrente na mitologia do Batman, nasceu na celebrada adaptação animada de 1992, foi rapidamente transportada para as páginas das HQs em Batman #475, na história “O Retorno de Scarface”, escrita por Alan Grant.

A personagem ganhou notoriedade ao protagonizar o arco “Meia Vida”, da série ganhadora de diversos prêmios “Gotham Central” (publicada aqui no Brasil pela Panini Comics como “Gotham City contra o Crime”).

Gotham Central surgiu da parceria dos roteiristas Ed Brubaker e Greg Rucka, em uma premissa similar a seriados policiais, a trama contou ao longo de quarenta edições diversas histórias estreladas pelos policiais de Gotham City.

A série não apenas buscou explorar o papel da profissão em uma cidade notória por seus vigilantes mascarados e vilões psicóticos, como também se aprofundou na intimidade de seus personagens, tecendo rotinas, laços familiares, relacionamentos e comentário social.

Em “Meia Vida”, que corresponde às edições #6-10 de Gotham Central, Renee passa a ser perseguida por um detetive particular e tem aos poucos sua intimidade invadida, no desfecho de uma das edições, uma fotografia de Renee mantendo relações com outra pessoa do mesmo sexo é exposta para seus familiares e colegas de trabalho.

É aqui que o roteirista Greg Rucka transpõe um dos retratos mais fidedignos da realidade para as revistas em quadrinhos, com sua predileção sexual revelada contra sua vontade, Renee é alvo de preconceitos e chacotas por parte de seus colegas no distrito policial.

A situação de nossa protagonista se complica ainda mais quando o detetive particular que investigava a sua vida íntima é assassinado e graças a evidências plantadas, ela se torna a única suspeita do crime.

Um dos diálogos chaves da edição é a conversa entre Renee e sua oficial superior, Maggie Sawyer, toda  construída sob a retórica do “don’t ask, don’t tell” norte-americano.

Renee argumenta perante Maggie – homossexual assumida – que o problema não se resume apenas a homossexualidade de uma pessoa, mas também o julgo da cultura, etnia e laços familiares dela.

A pressão familiar contra sua sexualidade é explorada ao longo das cinco edições, a família Montoya, composta por imigrantes dominicanos e católicos fervoroso, insistem que logo ela estará “velha demais para ter filhos”, enquanto os pais comentam com pouco caso o comportamento promíscuo de seu outro filho.

No desfecho do arco, Renee esclarece e “sai do armário” para seus parentes, no fim da conversa, “Meia Vida” termina em lágrimas, nem todas de alívio.

A arte, que fica por conta de Michael Lark segue o padrão das edições anteriores, tons pastéis e closes fechados, retratando uma Gotham intensamente urbana e suja. Em uma cidade povoada por milionários e femme fatales, Renee é traçada como humilde e tímida.

O arco “Meia Vida” é responsável em 2004 pela conquista dos prêmios Eisner de melhor história serializada e o Harvey de melhor história individual ou série, além do Gaylatic Spectrum Award, uma premiação de ficção fantástica destinada a histórias que retratem homossexuais de forma construtiva.

Aqui no Brasil o arco saiu no encadernado “Gotham City contra o Crime Vol. 2 – Meia Vida”, em acabamento de brochura contendo 148 páginas, por R$14,90, podendo ser facilmente encontrado em lojas especializadas e convenções de HQs.

Scott Snyder e o Batman do Novo 52

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Escolhido a dedo pelo conceituado romancista Stephen King, Scott Snyder, que até então nunca tinha trabalhado no meio das revistas em quadrinhos, debutou nas páginas de American Vampire, sucesso de vendas da Vertigo, o selo “adulto” da DC Comics, voltado para contos de terror e mistério policial.

 Com as histórias de terror protagonizadas pelo vampiro estadunidense Skinner Sweet, Snyder e King, em parceria com o desenhista brasileiro Rafael Albuquerque, conquistaram público e crítica e em 2011 levaram para casa prêmios importantes do mercado de entretenimento, como o Eisner e o Harvey de melhor nova série.

Com uma inclinação para o sombrio e para o mistério, Snyder começou sua contribuição para um dos títulos mais antigos da DC Comics: a Detective Comics, protagonizada pelo Batman, um dos personagens mais queridos do portfólio da editora.

Em Detective Comics #871, Snyder surpreendeu a todos ao apresentar ao longo de 10 edições, uma Gotham City ainda mais assustadora e claustrofóbica, introduzindo novos elementos no canônico do homem-morcego e revivendo antigos traumas do elenco.

É nesta fase que podemos presenciar uma das melhores – e mais trágicas – histórias envolvendo o Comissário Gordon e sua família, rivalizando em repercussão com The Killing Joke escrita pelo gênio Alan Moore.  

Nesta encarnação de Gotham City, tivemos psicopatas e dramas familiares, sociedade secretas de ricos, um vilão perturbado e carente de atenção, além de cenas de violência explicita que não observamos na editora desde os tempos áureos da Vertigo na década de noventa.

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Snyder, em Batman, parece ter uma fixação pela aristocracia decadente da cidade, que rendeu antagonistas clássicos como Pinguim e Silêncio, como também o próprio passado da cidade é visitado com frequência em suas histórias.

Isto fica claro na minissérie “Batman – Gates of Gotham” lançada em meio do ano passado, onde o roteiro mostra a relação entre um terrorista em série e um segredo antigo das principais famílias de Gotham City.

“Batman – Gates of Gotham” também é uma das poucas histórias do homem-morcego que busca explorar a arquitetura sobre a qual a cidade foi concebida.

Image Este clima denso, quase um thriller de suspense, tornou Snyder a escolha óbvia para alguns dos títulos do “Novo 52” de sua editora, gerando expectativa e comoção quando o mesmo foi escalado para assinar o roteiro da nova revista do Swamp Thing, um dos personagens mais cults e quistos pelo público.

Mesmo sendo um reboot, Snyder na nova revista do Batman resgata elementos de seus trabalhos anteriores em Gates of Gotham e Detective Comics.

Nesta nova história, Batman investiga a relação entre o passado de Gotham City e uma conspiração de assassinos conhecidos como “Court of Owls”.

Existem dois aspectos peculiares na passagem de Snyder pelo Batman, sua fixação pela arquitetura em Gotham City e o simbolismo da Coruja, uma ave conhecida por ser predadora natural dos morcegos e famosa por roubar ninhos de outras aves.

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Recomendo ao leitor interessado que ele preste atenção nas incríveis e sombrias ilustrações de Jock e Francaviella para entender as entrelinhas daquilo que ainda está por vir para o homem-morcego e seus aliados.

O sucesso da publicação é tamanho que em nota emitida pela imprensa a DC Comics divulgou que o número de vendas da revista ultrapassa as 100.000 cópias.

Esta repercussão positiva fez com que a editora aumentasse o número de páginas da revista de 32 para 40, com o acréscimo de um dólar no preço final, outra novidade é que em Batman, Scott Snyder se reunirá com seu antigo parceiro de ilustração, Rafael Albuquerque.

Snyder é uma ótima alternativa para quem está enfastiado das histórias lisérgicas e nostálgicas da era de prata que Grant Morrison escreveu, ou que busca um pouco mais de refino e sofisticação nos roteiros grim n’ gritty de Frank Miller.

Aqui no Brasil, a passagem de Scott Snyder pela Detective Comics pode ser conferida na revista “A Sombra do Batman” a partir da edição nº 18, lá fora, as histórias foram coletadas em uma edição capa dura chamada “The Black Mirror”, disponível na Amazon.com

“Justice League 1” é um “foda-se” para os nerds reclamões

Claro que eu também fiquei muito pé atrás quando a DC Comics anunciou que iria recomeçar todas as suas revistas a partir do número 1, com seu universo ficcional recomeçando junto. Claro que fiquei mais pé-atrás ainda quando alguns nomes como Rob Liefeld foram anunciados como participantes do chamado “reboot”. Vieram à tona tópicos como “heróis mais jovens”, “novos uniformes”, “reformulações de origens” e a cada anúncio que via me parecia que a DC estava fazendo uma baita cagada, jogando anos de cronologia e mitologia próprias em uma tentativa desesperada de recuperar vendas. Porém eu pensava “se ficar divertido, qual é o problema?”.

De lá para cá as propostas foram sendo apresentadas e algumas me chamaram a atenção. Mesmo já afirmando que a fase “sitcom” da Liga da Justiça Internacional acabou, gostei da idéia de um grupo de heróis do mundo todo formado pela ONU em uma resposta “oficial” a “outra” Liga da Justiça. Tudo indica que a nova revista do Capitão Átomo abordará um lado mais “Dr. Manhattan” do personagem. A Mulher-Maravilha e o Monstro do Pântano estão propondo-se como HQs de terror. Ainda teremos uma visão da época medieval do Universo DC em “Demon Knight” e como eram Gotham City no Velho Oeste em “All Star Western”. Um guia sobre todas as novas publicações pode ser lido nesta ótima matéria do Universo HQ.

Outro fato que marcou nesta iniciativa da DC foi que as edições em papel e digitais seriam vendidas simultaneamente, permitindo assim que qualquer pessoa do mundo possa comprar as revistas em formato digitais assim que elas saem nos EUA. Mas não é esse o foco deste texto.

Então foi lançado o número 1 da nova Liga da Justiça. O lançamento em si foi um sucesso de marketing (não se sabe sobre vendas ainda), com fãs fazendo filas madrugada adentro em comic shops, pessoas fantasiadas e presença de editores, desenhistas e autores. O próprio reboot em si conseguiu repercutir fora da mídia especializada, ou seja, chamou a atenção de todo mundo.

No dia seguinte ao lançamento, já estava circulando pelo Internet a nova HQ da Liga da Justiça. Fui baixar praticamente uma semana depois. Acabei de ler. E gostei.

Resumindo a trama: Batman está perseguindo um meliante pelas ruas de Gotham quando descobre que ele na verdade é um alienígena. Neste momento surge o Lanterna Verde atrás do mesmo ser, mas a criatura escapa deixando atrás uma evidência que nenhum dos dois consegue analisar. Então eles partem atrás do único alienígena que conhecem: o Superman. Em meio a isso temos um vislumbre de um mundo que ainda tem os recém-surgidos “super-heróis”, Hal Jordan e Clark Kent nitidamente arrogantes e deslumbrados por ser quem são e Batman analisando e reclamando de tudo. Sem contar que as pistas deixadas pelo alienígena não deixam dúvidas sobre quem é o grande vilão das primeiras histórias: Darkseid.

É uma leitura rápida, divertida, didática. Geoff Johns fez um roteiro ágil e Jim Lee mandou bem na arte sem aqueles exageros que vi em “All Star Batman”. Mesmo quem nunca leu uma HQ da DC entenderia facilmente a trama. Se a idéia da editora é trazer novos leitores e fazer a molecada voltar a se interessar por quadrinhos, o tom pareceu certo. Muitos blogs desceram a lenha na trama rasa e caracterização clichê, mas vale lembrar que a DC não pensou em você leitor com mais de 25 anos que compra encadernados e lê scans e sim no povo mais novo que deixou de ler porque era “chato e complicado”. Tenho plena certeza de que se essa HQ fosse transposta para um desenho animado muitos dos que estão reclamando iriam adorar.

Uma das grandes reclamações foi o Superman ter partido para a briga com o Lanterna Verde e que o Azulão não é bem assim. Mas esses são os mesmos caras que reclamam que o Superman é chato por ser extremamente certinho! Agora pensem comigo, você é um cara super poderoso em início de carreira, mal saído da adolescência e surgem na sua frente dois caras fantasiados querendo te intimidar do nada, o que você faria? Eu mesmo sairia dando porrada em todo mundo!  Aí quando o Superman faz exatamente isso, reclamam.

De tudo o que eu vi do reboot da DC até agora, a única coisa que tinha me deixado puto foi a “Liga Da Justiça Sombria”, com o pessoal místico da DC combatendo ameaças sobrenaturais e uma imagem de John Constantine soltando raios pela mãos. Mas depois de ler o número 1 da Liga da Justiça e saber que o roteirista da Liga Sombria é o Peter Milligan, acho que posso abrir mãos de algumas coisas em troca de uma boa diversão, não?

Eu, Nerds, Batman, Dredd e tal

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Como minha primeira resenha vou falar sobre a HQ “O julgamento em Gotham”, uma mini-série na qual o universo de Gotham City e Mega City One se encontram, se não leram saibam que vai ter spoiler pra tudo quanto é lado, mas antes de tudo quero falar sobre minha relação com o termo nerd.

Usando aquele sentido clássico e usual de nerd que se confunde com C.D.F., realmente sempre tive uma compulsão por leitura, embora nunca tenha usado óculos ou agido como “geniozinho” da turma, já que minhas notas eram relativamente ruins, entre outros estereótipos, então sou apenas parcialmente. Agora no sentido mais atual, mesmo recebendo influências geeks que se confudem com a nerdística, sempre olhei muito estranhamente para tudo isso, ouras, sou um carinha do Piauí de formação clássica, sempre vou ter algo de cosmopolita. Não comecei a ler livros mais profundos porque lia gibi da Turma da Mônica ou de super-heróis, sou um “nerd genérico”, meu caminho foi inverso. Traí o movimento da erudição ao ver que havia arte tão interessante e muitas vezes até mais que na literatura tradicional nos quadrinhos pops. Mas comecei minhas leituras na escola com Machado de Assis (Quincas Borba e sua filosofia “Humanitas” é um exemplo brasileiro de caoismo), Álvares de Azevedo, Byron e outros luso-brasileiros que passaram a navalha no meu cérebro introduzindo os memes da maravilha literária. Então não sou desses retardados filhos da puta que chingam muito no twitter a literatura brasileira, achando que literatura se resume a falar APENAS de mundos totalmente exóticos, como Tolkien. Não , não, não, literatura às vezes precisa falar do ordinário/comum/diário mesmo, pra nos dar um choque ao percebermos o quanto é fantástico ou podre tudo isso, para que a partir daí nossa mente que vive funcionando no automático ignorando o que acontece no dia-a-dia perceba de uma vez por todas onde estamos. Jogado a Napalm em vocês, vamos a resenha.

Porque escolhi essa HQ? Um amigo meu que é cartunista, disse certa vez que “O julgamento em Gohtam” foi a melhor HQ que ele já leu na vida. Perguntei: Por quê? Ele respondeu: No preto e branco, não dá pra esconder os erros. E a conversa ficou por isso mesmo. Achei filosófico, deve ser algo que desenhista entenda ou ele simplesmente disse qualquer coisa que veio na cabeça, sei lá. Então resolvi ler a HQ, não foi a coisa mais fantástica que li na vida, mas foi bem divertido e em alguns momentos me fizeram refletir algo. Ao terminar de ler a resenha, responda se entenderam o por que da resposta do cara.

Batman é conhecido por ser um justiceiro que conhece a distância abismal que separa lei e justiça, por isso ignora as regras e vai até onde sua sede de justiça o levar, já o Juiz Dredd vem de uma dimensão na qual ele próprio é a lei e a execução da justiça, por este motivo considera a ordem o principal veículo para a felicidade, se não ele quebra seus dentes e lhe algema. Claramente o encontro dos dois iria ser conflitante, o justiceiro contra o juiz.

Os desenhos dessa mini-série feitos por Simon Bisley são fantásticos, dá pra botar cada quadro em forma de pintura pendurado no seu quarto. Então, o que une dois personagens de universos tão diferentes numa mesma mini-série? Esse é o ponto fraco da história, é onde não faz sentido. Após derrotar no começo da narrativa o Juiz Morte, Batman encontra com ele um transportador que acidentalmente aciona e vai parar em Mega City, onde é preso por Dredd. Simples e ridiculamente assim começa a história. Mas logo que se comenta sobre o Morte, dá pra entender alguma profundidade do enredo e o papo do preto e branco do Dereck.

“Com sua filosofia distorcida, TODO crime é cometido pelos vivos. Logo a própria VIDA deve ser um crime.”

O cara é um lunático cósmico que já destruiu com outros juízes seu planeta e agora anda atrás de mais vida para destruir. Considerar a própria vida como um crime não é muito diferente de considerar a humanidade como um vírus no planeta, não? A diferença é que o cara pode realmente matar em massa, ainda bem que nós reles mortais não temos essa capacidade, se não…

Especialmente três sequências tornam essa HQ divertida de se ler. Na primeira revista, é épica a sequência na qual cansado de ouvir Dredd falar cegamente sobre sua lealdade a lei, Batman consegue se libertar e o derruba com um soco, até chegar a cavalaria e conter o morcego.

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A segunda sequência é quando o Morte após transferir seu espírito para um novo corpo com ajuda do Espantalho, resolve julgá-lo, ou seja, matá-lo. Porém ela não esperava que o Espantalho tivesse a ousadia de usar seu gás do medo, o que faz a morte encontrar seus pesadelos até se render ao outro vilão. Vão por mim, a imagem que aparece no pesadelo do Morte é muito bizarra.

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A última sequência é a mais fantástica. O Morte vai invade um show de rock chamado “Living Death”, atrás do palco mata um guitarrista e pega seu instrumento, o resto dá pra vocês imaginarem né? É fodástico demais. Death Metal cantado pela própria morte! O que acontece depois, leiam vocês mesmos.

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Apesar de ter spoilado tudo aqui, dêem uma lida em alguma scan da mini-série na internet. Perder um show dá própria Morte não dá.